08/02/2024

Relatório de Avaliação do GAFI e a regulamentação da advocacia no Brasil

08/02/2024

O recente Relatório de Avaliação Mútua do GAFI apontou que setores não financeiros, como o dos advogados, enfrentam dificuldades para implementar mecanismos de combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo. Em entrevista exclusiva para o IPLD, Bruno Borragine, advogado e Coautor da obra Exercício da Advocacia e Lavagem de Capitais, analisa os desafios da implementação das diretrizes do GAFI e destaca a importância de uma regulamentação clara para fortalecer a segurança jurídica e a ética na advocacia. Leia a entrevista exclusiva a seguir:

As dificuldades no campo jurídico sobre as regulamentações do GAFI

IPLD: O Relatório de Avaliação Mútua do GAFI, divulgado em dezembro de 2023, aponta desafios na implementação adequada do quadro de combate à lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo no Brasil, especialmente em setores não financeiros, como o dos advogados. Quais são as principais dificuldades e sensibilidades enfrentadas pelo campo jurídico ao discutir a regulamentação proposta pelo GAFI, especialmente em relação à proteção do sigilo profissional?

Bruno Borragine: Olhando no tempo histórico dos pontos de conexão entre o exercício da advocacia e a colaboração no delito de lavagem praticado pelo cliente, certamente a principal dificuldade é traçar no papel – isto é: fora do mundo das ideias – quais são os limites de proteção do sigilo profissional entre a relação advogado e cliente. Dizer que o sigilo por parte do advogado é assegurado constitucionalmente, per si, é dizer o óbvio e em nada auxilia em termos práticos. O principal desafio, que bem elucidará essa sensível linha de delimitação, é tornar objetivo e bem classificado o que são e quais são as atividades típicas e privativas de advocacia contenciosa e, especialmente, de advocacia consultiva. Ao ressignificar estes dois conceitos – que são premissas-chave previstas no artigo inaugural do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – efetiva e praticamente se jogará luz de seguro esclarecimento sobre os limites do que deve e não deve ser sigiloso na relação advogado-cliente. No Brasil, pois, a maior dificuldade de se implementar as novas diretrizes do GAFI perpassa sobre a necessidade de um “retrofit” na conceituação do que é típico e privativo em termos de atividade advocatícia.

Mapeamento de projetos de lei relacionados à advocacia e lavagem de capitais

IPLD: Em pesquisa realizada pelo Grupo de Direito Penal Econômico e da Empresa (G.DPEE) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, em 2020, foram mapeados projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados relacionados à advocacia e lavagem de capitais. Como esses projetos se alinham com as recomendações do GAFI, e qual é a sua avaliação sobre a eficácia dessas medidas na prática jurídica brasileira, especialmente em termos de fechar as lacunas identificadas pelo GAFI?

Bruno Borragine: Ao lado de acadêmicos que foram cirúrgicos no levantamento das informações legislativas, tive a satisfação de coordenar este projeto de pesquisa. Identificamos que existem, atualmente e em trâmite, 8 (oito) projetos de lei que, de certa maneira, permeiam o tema relativo à advocacia e à lavagem de capitais. Identificamos também que todos os oito projetos de lei em nada se alinham às diretrizes do GAFI. Ao contrário, são projetos dissociados de boa técnica jurídica e legislativa que visam a criminalizar o recebimento de honorários advocatícios – mais uma vez sem qualquer distinção sobre os limites da atividade advocatícia prestada – chegando ao absurdo de relegar ao próprio advogado a obrigação de comprovar a origem lícita dos honorários recebidos. Em verdade são projetos que, na prática, se um dia vigorarem trarão maiores problemas práticos e nenhuma solução de segurança jurídica ou mesmo de alinhamento com o GAFI. 

Ausência de regulamentação e as vulnerabilidades no campo da lavagem de dinheiro no Brasil

IPLD: Com base na recente avaliação do GAFI, como você acredita que essa ausência de regulamentação contribui para as vulnerabilidades no campo da lavagem de dinheiro no Brasil? 

Bruno Borragine: Acredito que regulamentar através de didática e moderna conceituação – esclarecer o que pode e o que não pode; o que é típico e não típico em termos de prática de advocacia – é sempre o melhor caminho para atrair segurança e legitimidade jurídica no agir profissional do advogado. Essa massa cinzenta que reflete a ausência de regulamentação contribui especialmente em dois fatores: (i) a falsa e conveniente afirmação de que o sigilo entre a relação advogado e cliente é uma máxima imutável que resolverá todos os problemas relativos ao tema; e (ii) propicia um campo aberto para toda a sorte de comportamentos promíscuos de advogados que se escorarão na ausência de clara regulamentação.

Benefícios da adoção das Recomendações 22 e 23 do GAFI

IPLD: De que forma a adoção das Recomendações 22 e 23 do GAFI pode resultar, para os advogados, em benefícios como melhoria de reputação, aumento da confiança pública e conformidade com padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo?

Bruno Borragine: Na verdade as Recomendações 22 e 23 do GAFI já repercutiram positivamente no sistema legal pátrio, em especial nas alterações introduzidas, em 2012 na lei de lavagem (Lei nº 9.613/1998), quando se ampliou significativamente o rol de pessoas sujeitas aos mecanismos de controle estabelecidos na Lei. Verdade seja dita, a implementação das Recomendações 22 e 23 pode operar no dia a dia prático da advocacia justamente como ferramenta auxiliadora de standards de comportamentos que podem balizar os limites do sigilo, bem como o que é típico e não típico em termos de prática de advocacia.

O equilíbrio do cumprimento das regulamentações e o compromisso com a confidencialidade dos clientes.

IPLD: Como os advogados podem equilibrar a necessidade de cumprir as regulamentações contra a lavagem de dinheiro com o compromisso ético e profissional de proteger os interesses e a confidencialidade de seus clientes?

Bruno Borragine: O melhor equilíbrio poderia vir através da edição, pela OAB, de um guia de boas práticas, contendo standards de boas condutas profissionais hábeis a guiar o agir do advogado dentro do compromisso ético e, sobretudo, melhor conceituando o que são e quais são as atividades típicas de advocacia consultiva. Daí decorrerá, como consequência quase que natural, a melhoria dos mecanismos de confidencialidade e proteção na relação advogado-cliente. Nos dias atuais, contudo, a carência de necessidade de se cumprir as regulamentações já existentes contra a lavagem, torna a prática da advocacia uma atividade de alta exposição, suscetível de interpretações para todos os lados e atraindo, dessa maneira, insegurança jurídica no agir profissional do advogado.


Conheça o Entrevistado

Bruno Borragine

Advogado criminalista, sócio do Bialski Advogados. Pós graduado e mestrando em Direito Penal Econômico pela FGV/SP. É membro do Grupo de Direito Penal Econômico da Empresa da FGV Direito SP e coautor do livro “Advocacia e Lavagem de Capitais”.