19/06/2024 Atualizado em : 12/07/2024

Eficácia das sanções internacionais à Rússia: avaliação e perspectivas 

19/06/2024 Atualizado em : 12/07/2024

Após mais de dois anos de conflito entre Rússia e Ucrânia, a eficácia das sanções internacionais impostas por países como os Estados Unidos e a União Europeia continua a ser uma questão central no debate global. Em entrevista exclusiva ao IPLD, Daniela Secches, professora do curso de Relações Internacionais da PUC Minas e especialista em Rússia, analisa como as sanções, inicialmente implementadas com a expectativa de desestabilizar a economia russa e fomentar a oposição interna, têm enfrentado desafios. Confira. 

IPLD: Após mais de dois anos de conflito entre Rússia e Ucrânia, como você avalia a eficácia das sanções internacionais impostas por países como os Estados Unidos e a União Europeia? 

Daniela: A mesma tendência percebida no primeiro ano de conflito segue – a limitada capacidade de eficácia das sanções internacionais impostas à Rússia devido aos mecanismos de evasão adotados pelo Kremlin. As sanções internacionais são um instrumento político estabelecido no pós-Primeira Guerra Mundial com o objetivo de impor custos a Estados que recorrem ao uso da força para resolução de suas controvérsias. Espera-se que as sanções impliquem em danos à economia doméstica capazes de minar o apoio da sociedade à elite política que decidiu pelo recurso à violência. Contudo, no caso das sanções impostas pelas potências ocidentais à Rússia no contexto da escalada das tensões na Ucrânia, em 2022, observa-se que sua eficácia como instrumento para desestabilização interna não produziu os efeitos desejados, na proporção almejada. Por um lado, a economia russa não foi enfraquecida em proporção suficiente para que isso se traduzisse no incentivo ao crescimento de uma oposição viável no país. Em 2023, o Produto Interno Bruno (PIB) da Rússia contraiu-se em 1,9%, taxa inferior ao decrescimento observado em 2022 (-2,2%). A título de ilustração, cabe dizer que essa taxa representa um valor muito menor do que aqueles percebidos em Estados que não estão em guerra, mas que passam por dificuldades econômicas, como foi o caso do PIB brasileiro, em 2015 (-3,3%). Por outro, os níveis de aprovação do atual governo seguem crescentes, bem como os indicadores de aprovação das ações do governo na Ucrânia, os quais se traduziram em uma vitória robusta do presidente Vladimir Putin nas eleições de março de 2024, com quase 90% dos votos. Mesmo sendo importante considerar as suspeitas de má conduta dos processos democráticos no contexto dessas eleições, os três dados somados nos falam de uma sociedade na qual não parece haver alternativa de oposição viável à atual elite política no momento, especialmente, no que tange à sua posição sobre o esforço de guerra. 

IPLD: Como a Rússia conseguiu minimizar os efeitos das sanções? Quais estratégias foram adotadas para isso? 

Daniela: Inicialmente, é importante considerar que o atual conflito se iniciou em 2014, quando ocorreu a anexação da Crimeia. Desde então, a Rússia construiu um conjunto de mecanismos formais e informais para evadir aos efeitos de sanções internacionais com bastante robustez. No caso dos canais formais de atuação, buscou-se estabelecer novos parceiros comerciais que não estariam dispostos a adotar as sanções, em especial no sul global; o fortalecimento de atores domésticos que pudessem substituir serviços contratados no exterior, como as companhias de transporte e de seguro de mercadorias; a construção e o robustecimento de mecanismos comerciais e financeiros alternativos, como negociações em moedas nacionais e o recurso a outros instrumentos de transações além do SWIFT; a adoção de estratégias de contra sanções para aumentar os custos sobre os Estados sancionadores; e o aumento das reservas em ouro como mecanismo de precaução em relação ao congelamento das reservas internacionais do país em dólar. Já os mecanismos informais oscilam entre instrumentos pouco regulados ou até mesmo ilícitos. São eles a diminuição da transparência na circulação de mercadorias; o recurso ao escambo para trocas comerciais internacionais; o uso de laranjas para a transferência da propriedade de ativos de indivíduos sancionados; e o recurso às criptomoedas. 

banner-artigo-csa-ipld

IPLD: Considerando as discussões realizadas sobre sanções internacionais em 2023, no Congresso Internacional do IPLD, o que mudou desde então? 

Daniela: A situação em 2024 é composta por três principais mudanças no contexto da escalada das tensões entre Rússia e Ucrânia iniciadas em 2022. Primeiramente, o atual cenário de guerra parece indicar a consolidação da posição russa nos territórios sob disputa com a Ucrânia na região do Donbass, desde o Norte, em Kharkiv, até o Sul, em Kherson. A contraofensiva ucraniana de 2023 não foi efetiva como à de 2022 no que diz respeito à retomada de territórios, dada uma combinação de melhor planejamento da ocupação russa, consolidação da infraestrutura russa nos territórios conquistados, menores recursos e um planejamento menos eficiente das ações das forças armadas ucranianas. Diante disso, do ponto de vista bélico, a tendência observada segue sendo pelo congelamento de uma situação na qual o domínio russo sobre o território ucraniano se consolide de fato, mas não de direito. Em segundo lugar, há a persistência da ineficácia das sanções, apontando para uma recuperação dos indicadores da economia russa para níveis, inclusive, mais positivos do que antes do conflito. A vitória por uma maioria expressiva de votos do presidente Vladimir Putin para mais um mandato, em março de 2024, como discutido na pergunta anterior, pode ser entendida também como um reflexo dessa ineficácia. Por fim, não menos importante, a escalada das tensões no Oriente Médio em outubro de 2023 e as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América em 2024 podem apontar para mudanças significativas no cenário internacional que, somadas a uma exaustão das sociedades ocidentais em relação ao conflito russo-ucraniano, indiquem uma tendência de diminuição do apoio ocidental ao esforço de guerra de Kiev, o que deve ter impactos significativos no campo de batalha. 

Conheça a entrevistada 

Daniela Secches 

Daniela Vieira Secches é doutora em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas); mestre em Ciência Política pela Universidade de Masaryk, República Tcheca; bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em Relações Internacionais pela PUC Minas. É coordenadora da graduação em Relações Internacionais e professora permanente do Programa de pósgraduação em Relações Internacionais da PUC Minas. É membro do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM) e da direção da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI, 2023-2025).