20/03/2023 Atualizado em : 21/11/2023

04: Tipologias de financiamento ao terrorismo ajudam na identificação e combate ao crime

20/03/2023 Atualizado em : 21/11/2023

Especialista em PLD-FT acredita que o conhecimento de casos em Financiamento ao Terrorismo ajuda na prevenção e identificação de riscos

Financiamento ao Terrorismo
Imagem: Freepik

O Conselho de Controle de Atividade Financeira (COAF) divulgou, em 2021, na coletânea “Casos & Casos” um relatório com 6 tipologias da prática de financiamento ao terrorismo. Mas o que são tipologias? O especialista Lucas Teider, Consultor e Líder Técnico na AML Outsourcing, explica: “É um termo muito utilizado. São tipos ou casos concretos que já existiram de financiamento ao terrorismo. Esse trabalho de inteligência financeira é bastante perspectivo. Olhando para trás, buscamos quais canais foram utilizados, quais empresas estavam envolvidas, de quais instrumentos e mercados se aproveitam etc. Tudo isso para montar uma tipologia, saber o que veio antes. Como é feito o financiamento do terrorismo? Como são os casos concretos? Isso é tipologia. A partir do caso concreto, a tipologia nos ajuda a prevenir novos casos, porque sabemos onde estão localizados os maiores riscos, quais são as maiores vulnerabilidades, quais são os principais produtos utilizados, quais são os principais países envolvidos. Essa tipologia não é exaustiva, é exemplificativa. Dá um vislumbre para que a gente possa entender a cabeça dos criminosos e conseguir prevenir esses crimes daí para a frente”.

As tipologias de financiamento ao terrorismo listadas pelo COAF são: financiamento de grupo extremista em cidades gêmeas; financiamento de grupo extremista sunita no exterior; financiamento de grupo extremista por meio do agronegócio e do comércio exterior; financiamento de grupos/indivíduos extremistas por meio de células no exterior; financiamento de grupos/indivíduos extremistas por meio de transações tipo dólar cabo “invertido”; e financiamento de grupos extremistas com utilização de empresas de fachada.

Fazendo o dever de casa

Lucas Teider ressalta a importância de se falar sobre o terrorismo e seu financiamento e desmistificar a crença de que esse não é um problema brasileiro. “Num primeiro momento, de maneira abstrata, existe um perigo muito grande dessa postura negacionista com relação ao risco dessas práticas no Brasil, o que nós chamamos de ‘Lógica do cisne negro’, do livro do pesquisador libanês Nassim Taleb. O cisne negro é uma metáfora para eventos altamente improváveis, com impacto extremo e previsibilidade retrospectiva. Nós temos a tendência cognitiva de assimilar aquilo que é improvável como sendo impossível. Pensa-se que é  muito difícil de acontecer, então assimilamos que não vai acontecer e, por isso, não criamos métodos preventivos e ficamos ainda mais vulneráveis. Foi o que aconteceu, em parte, no 11 de setembro. Depois do ocorrido, eu olho para trás e penso que era óbvio que aquilo poderia acontecer. E de maneira um pouco mais concreta, este é o principal risco do financiamento ao terrorismo: se eu não me preocupo, não tomo nenhum cuidado, e me torno ainda mais vulnerável”. Lucas lembra que terrorismo não se restringe ao ataque, mas envolve um ciclo terrorista que envolve atividades anteriores e posteriores ao evento. “Antes de ter o ataque, de uma bomba explodir ou acontecer alguma coisa, é feita a radicalização das pessoas, a seleção dos alvos preferenciais, o monitoramento desses alvos, a montagem da estrutura de financiamento, o treinamento e a logística. Depois do ataque ainda ocorre a evasão das pessoas e a exploração da mídia”, explica.

Para o especialista, a importância da publicação das tipologias de financiamento ao terrorismo é que, desta forma, se torna possível dar mais concretude aquilo que já está ocorrendo por aqui. “O COAF é a unidade de inteligência financeira do Brasil e o principal órgão preocupado com a prevenção ao financiamento do terrorismo. Este relatório foi o primeiro da série que incluiu tipologias de financiamento do terrorismo. Isso foi muito simbólico para mostrar que, no topo da cadeia das autoridades brasileiras de prevenção, essa questão é de fato uma preocupação nacional. Se não fosse, as tipologias não estariam lá”, diz Lucas Teider. O especialista frisa que a tipologia ajuda tanto na conscientização do que pode acontecer como na operacionalização de ‘como’ pode acontecer.

Falta de controle aumenta os riscos

Analisando as tipologias, Lucas Teider faz um levantamento das suas principais características. “É muito comum a utilização de negócios empresariais de nicho de mercado que tem poucos controles, como eventos culturais, instituições religiosas ou educacionais e lojas francas (freeshops), por exemplo, porque são negócios já conhecidos por não terem uma estruturação muito grande de controles preventivos. São negócios que estão mais acostumados com uma informalidade, uma fiducialidade maior, esse trabalho na base da confiança e não tanto com base no monitoramento e controle. Também ocorre a utilização de negócios de alta complexidade como o mercado de câmbio, porque ele é complexo por si só e pode ser empregado para disfarçar operações ilícitas, diz.

As áreas fronteiriças do Brasil também podem representar um risco de financiamento ao terrorismo. “Em razão das articulações, do tecido social, pode representar maior risco, porque ocorre uma grande confusão entre a internacionalização dos mercados.

Entre os principais instrumentos utilizados para o financiamento ao terrorismo listados nas tipologias estão a criação de empresas de fachada por estrangeiros para enviar dinheiro para fora; o pagamento maior de faturas de cartão de crédito para retirada no exterior; contas em nomes de laranjas; dólar cabo, também conhecido como howalla; investimentos em agronegócios e imóveis, entre outros.

Para coibir o financiamento ao terrorismo, o principal caminho é corrigir as faltas de controle formais. “É importante todo mundo que está ao redor desse ecossistema ter métodos de controle. Como também são utilizadas aquisições de empresas imóveis, cartórios e corretores de imóveis também têm a responsabilidade de identificar atividades suspeitas e comunicar ao COAF. Uma pessoa pode comprar imóvel no Brasil, para a partir disso ter um ativo para financiar o terrorismo. No agronegócio, para dar aparência de licitude, os criminosos adquiriram propriedades rurais sem registros e subfaturadas. Isso acontece pela composição do valor desses ‘produtos’ ser agregada por elementos subjetivos, não mensuráveis por uma avaliação objetiva”.

De acordo com o professor e pesquisador, o que está muito em voga atualmente é a utilização do mercado de câmbio para conseguir mascarar essas operações de financiamento do terrorismo. Já na Europa e sobretudo na África, há uma preocupação grande com as atividades de organizações não governamentais, já que estas, geralmente, não têm muito controle sobre o dinheiro que entra e que sai. “Eu acredito que no Brasil seja um pouco menos vulnerável do que o continente africado, por exemplo, mas ONGs sempre têm grande risco de financiamento. A falta de inserção de controle governamental também pode facilitar que sejam usadas para financiamento do terrorismo. É um negócio com alto potencial de risco”, diz.

Lucas Teider acredita que a elaboração de tipologias de financiamento ao terrorismo seja positiva, mas acredita que ainda há muito trabalho pela frente. “Eu creio que a intenção seja muito boa, mas ainda falta no Brasil uma conscientização geral de que nós temos de fato risco de financiamento do terrorismo. Falta as instituições e demais pessoas olharem para isso com um pouco mais de cuidado, para efetivamente contemplar essa questão. E de maneira concreta já temos indicativos que esse é um problema brasileiro. Prioritário? Talvez não. Mas deve estar na nossa lista de preocupação? Com certeza sim”, completa Teider.

Referências

Casos e Casos – Relatório COAF 2021.

Entrevista Lucas Teider, Consultor e Líder Técnico na AML Outsourcing


Autor: Da Redação