O trabalho de prevenção à lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo está fortalecido com a adoção da tecnologia em diversos procedimentos de combate aos crimes. Todo o fluxo de controle de riscos pode contar hoje com recursos tecnológicos, tais como a análise de dados, big data ou inteligência artificial. Mas a mesma tecnologia usada na prevenção está cada dia mais sendo utilizada para cometer o crime de lavagem de dinheiro. A grande facilidade que o mundo virtual oferece aos criminosos é a falta de regulamentação. Criptomoedas, sites, aplicativos e jogos online não são obrigados a manter registros, instituir programas de due diligence para conhecer seus clientes ou obedecer as demais normas em vigor como seguem as instituições financeiras tradicionais. Por ser online, os fraudadores podem optar em operar por países que possuem fraquezas em seus controles. As criptomoedas são moedas digitais que oferecem a proteção dos dados do portador por meio da criptografia. São diferentes da moeda tradicional porque proporcionam o anonimato, baixo custo por transação e a descentralização das informações, que é viabilizada por meio da rede blockchain. As criptomoedas cresceram significativamente desde 2017 em termos de valor e volume de transações. No mercado, o Bitcoin domina com mais de 40% de participação de mercado. A expansão Bitcoin resultou em um aumento significativo dos riscos, fraudes e questões regulatórias. Esta moeda virtual apresenta desafios regulatórios nos controles anti-lavagem de dinheiro e sanções devido aos problemas de anonimato associados ao produto. Os reguladores têm se esforçado para acompanhar o ritmo da velocidade de crescimento e da utilização das moedas digitais. Em uma base global, o quadro regulatório é fragmentado e em evolução, com uma coordenação e consistência limitadas. Outro fator que dificulta o monitoramento do Bitcoin é o fato de ele não ser reconhecido como uma moeda, mas sim como um ativo. Esta é a mesma decisão tomada por legisladores em diversas localidades, entre elas o Brasil, o Banco Central Europeu e os Estados Unidos. Como não é emitido por um banco central e por ser descentralizado, não possui, ainda, uma regulamentação. Por ser considerada um ativo, usuários podem trocá-lo por bens materiais ou realizar trocas (nas plataformas ou entre usuários) para uma moeda local. O uso das criptomoedas em crimes O produto bitcoin também deve ser considerado de alto risco porque pode estar diretamente ligado a outro universo criminoso envolvendo o mundo digital. A deep web e a dark web são movimentadas pelo pagamento através das criptomoedas. Outras criptomoedas, como Dash e Litecoin, também são amplamente utilizadas nas transações nessa zona escura, onde ocorre todo o tipo de transações ilegais. A rede mundial de computadores é formada por três camadas. A primeira delas é onde navegamos, conhecida por surface (superfície), com todos os sites indexados e acessíveis ao grande público por meio dos motores de busca. A deep web é uma zona que não está indexada pelos canais de busca, mas que pode ser encontrada por quem utiliza softwares de navegação específicos que usam redes criptografadas e ocultam a identidade do internauta. Já a dark web é a “internet secreta”, a região mais difícil de ser acessada, que utiliza de criptografias complexas e que pode exigir até a alteração de hardware para permitir a entrada do internauta. É nesta parte que ocorrem o compartilhamento de informações ilegais e crimes, como a comercialização de drogas, negociações com hackers e assassinos, pornografia infantil e outros delitos. Os criminosos usam variados métodos para lavar o dinheiro utilizando as criptomoedas: Colocação: as criptomoedas podem ser compradas com dinheiro ou outros tipos de criptomoedas. Alguns mercados de troca on-line têm níveis variados de conformidade, compatíveis com PLD-FT. Outras trocas não são tão compatíveis assim e é nessa vulnerabilidade que ocorre a maioria das transações relacionadas à lavagem de dinheiro. Neste caso, não são armazenados os dados dos clientes, que utilizam IDs para fazer as transações. Ocultação: as transações são feitas via blockchain. Como os criminosos usam o serviço de anonimato quebram os vínculos entre as transações. Além disso, o uso de provedores de serviços anônimos protege a privacidade pessoal. Integração: apesar de a moeda não estar mais diretamente ligada ao crime, os lavadores de dinheiro ainda precisam de uma maneira de explicar como eles chegaram à posse da moeda. Para isso, são utilizados métodos simples de legitimar a renda ilícita, tais como apresentá-la como resultado de um empreendimento lucrativo ou outra valorização da moeda. Ausência de legislação específica A legislação e os controles muito limitados sobre o mundo virtual permitem a compra de moeda virtual, o armazenamento de valores equivalentes a moedas reais ou a transferência de moeda virtual para outros usuários trocarem por moedas reais. Algumas tentativas de controle começam a surgir, porém muitas delas sem grande efetividade. O primeiro caso ocorrendo o uso de bitcoins e o crime de lavagem de dinheiro foi julgado nos Estados Unidos em 2016. A juíza afastou a acusação de que um webdesigner teria lavado $ 1,500 em bitcoins por considerar que a criptomoeda não é dinheiro. A magistrada argumentou que “o bitcoin possui suporte ou apoio de qualquer governo e que não se reveste da tangibilidade necessária à percepção de uma riqueza material (…)” e entendeu que ainda é preciso percorrer um longo caminho até poderem ser equiparadas a dinheiro. No Brasil já há registros de casos envolvendo o crime de lavagem de dinheiro utilizando moedas virtuais. Em 2017, uma mulher sequestrada teve o seu resgate determinado em bitcoins. Entidades e empresas também sofreram ataques de hackers, com pedido de resgate em bitcoins para liberação de acessos. Em recentes análises utilizando pontos do Código Penal brasileiro verificou-se que as criptomoedas e a sua utilização não se encaixam em nenhum dos itens de crime contra a fé pública, em especial aos da moeda. Aqui no Brasil, a criptomoeda também é entendida como um ativo e não como uma moeda. Por outro lado, já há movimentação para acompanhar determinadas negociações realizadas no ambiente digital. Em maio de 2019, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 1.888, que obriga a prestação de informações por parte de pessoas físicas e jurídicas que negociarem, em um mês, mais de R$ 30 mil no mercado paralelo (peer-to-peer ou P2P) ou em exchange domiciliada fora do Brasil. A mesma instrução também obriga as exchanges a informar uma séria de informações para cada operação realizada. Leia mais: – Instrução Normativa nº 1.888, de 3 de maio de 2019 Institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). – Comunicado n° 31.379, de 16 de novembro de 2017 Alerta sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação das denominadas moedas virtuais. Após Consulta Pública nº 161123, Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide que a Justiça Estadual deve analisar crimes envolvendo criptomoedas. – Criminosos sequestram mulher e pedem bitcoin de resgate – Sequestradores pedem resgate em bitcoin para liberar aluno – Ataques de hackers que pedem resgate expõem falhas de prefeituras e empresa Autor: Manuel Bermejo FletesFormado em Adminstração de Empresas, com MBA em Gestão Estratégica de Negócios e Especialização em Compliance como ferramenta de Gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Profissional com mais de oito anos de experiência na área financeira, coordenando equipes e projetos em instituições nacionais e internacionais. Hoje é Coordenador da área de Monitoramento de Operações de PLD/FT.