Conhecido em jurisdições estrangeiras como “duty of care”, o dever de diligência é um conceito abstrato que implica um padrão de comportamento segundo o qual os administradores devem cumprir com cuidado e zelo as obrigações derivadas das suas funções, resultando da regra moral denominada “law of negligence”. Com base nisso, cabe aos operadores das Exchanges, bem como qualquer sociedade empresária, aplicar nas atividades de controle, decisão e condução da sociedade, o tempo, esforço e conhecimentos demandados pela natureza das funções, competências específicas e determinadas circunstâncias. Isso começa já no momento em que a política de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLD-FT) é implementada ou revista. Cabe ao administrador da Exchange o cuidado de coordenar todas as atuações com clareza, levando em conta os deveres e obrigações previstos no respectivo estatuto social ou contrato social da instituição supervisionada. Tal preocupação tem origem na análise minuciosa da jurisprudência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), que indica maior potencial de responsabilização dos administradores quando suas obrigações são genéricas. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que atua junto ao CRSFN, entende o dever de diligência como postura proativa focada na identificação de possíveis irregularidades em um determinado assunto do ponto de vista jurídico. Isso posto, é dever do responsável pela Exchange ter o mínimo de cuidado ao participar das reuniões da instituição, sempre atento aos detalhes. Um bom exemplo está no registro em ata de uma discordância com o que foi decidido – algo que pode vir a isentá-lo de culpa diante de um eventual cenário limítrofe sobre prática regular versus irregular. A atenção deve ser redobrada em casos particularmente sensíveis para o futuro do negócio. Alguns exemplos são momentos de alienação de controle acionário ou de emissão de novas ações. Nesses casos, além da verificação das informações disponíveis nestas etapas, o conselheiro deverá exigir solicitações adicionais se necessário, sob pena de descumprir seu dever de diligência. Porém, a “quebra” do dever de diligência pelo administrador será desconsiderada nos seguintes casos: – quando as decisões da sociedade empresária, ainda que fracassadas, tenham respeitado os procedimentos de deliberação e averiguação esperados pelo Conselho de Administração; – em caso da conduta ser configurada como descumprimento no dever de lealdade, pois não é possível uma mesma ação se configurar como quebra ao dever de lealdade e de diligência. Isso ocorre quando o administrador está ciente de que sua omissão será perniciosa à sociedade empresária, mas benéfica a si próprio. A omissão dolosa configura descumprimento do dever de lealdade, porém não descumprimento do dever de diligência; – quando os conselheiros não possuem ciência de informações que outros detêm, os quais sim podem ser punidos por conta disso. Apesar de o Conselho de Administração ser um órgão da sociedade empresária, a apuração de responsabilidades é individual e depende das circunstâncias em que se encontra cada membro, que poderão ter uma competência estatutária específica; – de ocorrências rotineiras que estão mais próximas dos diretores executivos, o que invalida a punição de um conselheiro que não possui acesso a determinadas informações; – quando o conselheiro age de forma proativa, ainda que inadequada ou ineficaz. Ele pode acabar como alvo de alguma outra imputação, mas não na caracterização do descumprimento do dever de diligência. Se, no caso, a ausência do dever de diligência implicar em prejuízo para consumidores, os administradores das Exchanges devem estar atentos à possibilidade de propositura de ação civil pública, pelo Ministério Público, com base na Lei nº 7.913/89. Vale ressaltar que o artigo 159, da Lei das S.A., prevê o possível ajuizamento de ação de responsabilidade civil em face de administradores a fim de reaver os prejuízos causados ao patrimônio da sociedade empresária – após deliberação da assembleia geral. Existe ainda a possibilidade de ação interposta individualmente por acionistas ou terceiros diretamente prejudicados pelo administrador. Conforme exposto, é de suma importância que os responsáveis pela administração da sociedade empresária cumpram regularmente as disposições contidas no estatuto ou contrato social das mesmas, observando sempre a legislação vigente no tocante à administração regular de suas funções. Sem prejuízo, é válido ressaltar que o princípio da “duty of care” sempre será um princípio e precedente basilar a ser observado em toda e qualquer função de administração, seja em uma Exchange, seja nas sociedades em geral. Autor: Marcelo de Callis Legal Counsel e membro da Diretoria Jurídica, de Riscos e Compliance do Mercado Bitcoin desde o ano de 2017. Advogado, especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e em Direito Digital pelo Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper). Possui mais de 8 anos de experiência no âmbito da advocacia empresarial estratégica.