Operação técnica do Coaf, participação feminina na PLD brasileira e as conquistas e desafios da área. Rochelle Pastana Ribeiro Pasiani é a Coordenadora-Geral de Inteligência Financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Até a chegada em um cargo de tal importância, Pastana já havia somado experiências no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, se especializado em Relações Internacionais na UnB e concluído mestrado na Universidade de Leiden, na Holanda, precisamente a respeito da recuperação de ativos. A generosidade de suas respostas trará ao leitor informações valiosas sobre o estado de coisas da PLD no Brasil hoje e a ampliação da participação das mulheres neste meio. Como você classificaria o estágio da PLD no Brasil e onde se encontram seus principais desafios? Comparativamente a uma boa parte dos países do mundo, entendo que o Brasil está bastante avançado na maioria dos temas de PLD/FTP. Embora a Avaliação Nacional de Riscos tenha sido concluída somente em 2021, exercícios de avaliação dos riscos de LD/FTP no país têm sido realizados continuamente desde 2004 no âmbito da Enccla. Vários avanços hoje já consolidados foram construídos por meio das Ações da Estratégia, como o Cadastro Único de Correntistas (CCS) e o formulário padronizado de quebra de sigilo bancário (Simba). Obviamente, os setores econômicos obrigados apresentam diferentes níveis de maturidade. Enquanto as instituições financeiras, em geral, compreendem bem como avaliar seus riscos e sabem implementar políticas internas efetivas e inovadoras, grande parte dos setores não financeiros, por exemplo, ainda precisa de maior capacitação e orientação em relação às obrigações de PLD/FTP, em especial sobre as hipóteses de comunicação ao Coaf, a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) nacional. A meu ver, os dois maiores desafios atuais de PLD/FTP no Brasil hoje são, primeiramente, conferir maior efetividade às comunicações de operações suspeitas enviadas ao Coaf, de forma a reduzir o número de falsos positivos e permitir que as informações de inteligência financeira disseminadas pela UIF sejam mais úteis para as autoridades competentes. O segundo desafio é fortalecer a cultura de PLD/FTP naqueles setores em níveis iniciais de maturidade, mas que apresentam grandes vulnerabilidades ao sistema como um todo. Isso é possível com uma supervisão presente, direcionada e de fato baseada no risco. Evoluções significativas, por exemplo, já são observadas no setor de joias e metais preciosos, decorrentes de iniciativas da Diretoria de Supervisão do Coaf. Também entendo importante a realização de treinamentos customizados para os representantes desses setores, com a participação não apenas do respectivo supervisor, mas também da UIF e das autoridades de investigação. Frente à quantidade sem dúvidas exorbitante de dados recebidos pelo Coaf vindos das mais diferentes fontes, quais as táticas utilizadas para discernir as atividades verdadeiramente suspeitas dos falso-positivos? Por ser uma UIF com quadro técnico bastante enxuto, tivemos que desde cedo investir em tecnologia para realizar o processo de recebimento, análise e disseminação de inteligência financeira. Desde 2017 existem implementados no Coaf mecanismos de machine learning que nos auxiliam a focar naquelas ocorrências que têm maior risco de representar indícios de LD/FTP. São vários modelos estatísticos supervisionados que processam as comunicações no momento de seu recebimento no Siscoaf e as selecionam para uma análise individualizada, classificando-as pelo risco. Em seguida, essas comunicações selecionadas pelo modelo preditivo são submetidas a um segundo mecanismo de abordagem com base no risco (ABR), que é a matriz de risco e prioridades. Com base nas informações da comunicação e do cruzamento de seu conteúdo com outras bases de dados disponíveis, o analista preenche um questionário (a matriz) que vai determinar se aquela ocorrência deverá ter sua análise aprofundada e ser posteriormente disseminada às autoridades competentes. O Coaf também instituiu mecanismos de orientação aos setores obrigados que os auxiliam a compreender que tipo de informação seria útil ou não para as análises. Um desses mecanismos é o Sistema de Avaliação da Qualidade das Comunicações, que atribui uma nota ao conteúdo da comunicação. Esse sistema está hoje em fase de revisão e será completamente reformulado. Acredito que esse novo modelo de avaliação irá auxiliar bastante na diminuição dos falsos positivos. Poderia fazer uma descrição de sua jornada profissional até a posição que ocupa no Coaf e sobre as suas responsabilidades nesse órgão? Com PLD/FTP eu comecei a trabalhar em outubro de 2006 no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça. Inicialmente fui coordenadora e depois Coordenadora-Geral de Articulação Institucional, que é a área que atua como secretaria-executiva da Enccla. No DRCI eu vi os projetos de lei de alteração da Lei de Lavagem de Dinheiro e de Organizações Criminosas serem gestados, discutidos e rediscutidos à exaustão. Também tive a oportunidade de ver a Rede-Lab ser planejada e instituída. Jamais imaginei que teria a proporção e o alcance que a Rede tem hoje. É muito gratificante observar como esse tipo de iniciativa pode transformar o cenário das investigações de LD no país. Depois do DRCI passei uma curta temporada no Departamento Internacional da AGU. Foi bem na época da 3ª Rodada de Avaliação Mútua do Brasil pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi). Tive a oportunidade de auxiliar na construção das respostas do Brasil e participar ativamente nas reuniões face to face e da plenária que aprovou o relatório final. Estive afastada um ano para fazer mestrado em Direito Internacional Público na Holanda e retornei em setembro de 2011 já para o Coaf, onde estou desde então. No Coaf comecei como analista, depois fui a coordenadora responsável pelas análises estratégicas e feedbacks para os setores obrigados e supervisores. Por um tempo fui responsável pelos intercâmbios de informação e, desde 2017, sou Coordenadora-Geral de Inteligência Financeira. Minha equipe é a responsável por todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) espontâneos disseminados pelo Coaf, isto é, aqueles RIFs cuja análise é iniciada justamente a partir das comunicações recebidas, das ocorrências detectadas pelos setores obrigados. Atualmente também coordeno alguns projetos importantes no Coaf voltados a criar mecanismos para conferir maior assertividade às comunicações recebidas e, consequentemente, aos RIFs disseminados. Também estou participando no momento do Grupo de Trabalho de coordenação do processo da 4ª rodada de avaliação do Gafi. Houve desafios na sua trajetória que pareceram motivados por um preconceito de gênero em relação ao sexo feminino? Entendo que é impossível para qualquer mulher dizer que a sua trajetória profissional não tenha sido de uma forma ou outra afetada por condutas machistas ou até mesmo misóginas, mas nenhuma dessas situações me impossibilitou de evoluir na carreira. Todos os meus chefes diretos até hoje, mulheres ou homens, de maneira geral reconheceram meu trabalho e mérito e abriram portas para que eu pudesse ser promovida. Tem uma situação que passei que resume um pouco minha experiência de preconceito de gênero. Certa vez fui dar uma palestra para um Ministério Público Estadual e cheguei mais cedo para assistir os palestrantes anteriores. Na hora do coffee break, me juntei a uma roda constituída apenas por homens, nenhum me conhecia ou sabia que seria a palestrante seguinte. Era nítido como estavam muito pouco interessados nos meus comentários. Logo após minha palestra, boa parte desse grupo foi quem mais interagiu e buscou minha orientação na condução das análises dos dados recebidos do Coaf. O desafio talvez seja ter que estar constantemente provando sua capacidade técnica para ser considerada. Tenho a impressão de que para a maioria dos homens essa capacidade é presumida. Pensando agora a PLD no Brasil em sentido amplo, como você avalia a participação das mulheres neste meio atualmente? A participação feminina na PLD/FTP tem se ampliado bastante, com muitas profissionais extremamente capacitadas. Todavia, existem ainda muitos espaços a serem ocupados. Quando nós consideramos apenas o setor público, acho bastante significativo que a primeira presidente do Coaf tenha sido uma mulher, a Adrienne Senna. Demonstra que as mulheres já estavam presentes e tiveram grande contribuição desde a construção do sistema de PLD/FTP do Brasil. Desde 2019, também temos uma mulher como Diretora de Inteligência Financeira no Coaf, a Ana Amélia Olczewski. Igualmente significativo é ter há mais de 10 anos sempre uma mulher à frente da supervisão em PLD no Banco Central. No setor privado, temos numerosos exemplos de mulheres talentosas coordenando equipes de PLD/FTP, como a Tatiana Galo e a Thaís Ramos. A Sheyla Brito lidera, em uma grande instituição financeira, a área de analytics, tema que estamos acostumados a ver dominado por homens. Entretanto, eu ainda gostaria de encontrar, nas principais instituições financeiras, mulheres como Chief Compliance Officer. As Fintechs e as Instituições de Pagamento parecem estar à frente nesse sentido, tendo escolhido mulheres como a Silvia Rodrigues e a Rebecca Villagra para comandar equipes. Não posso esquecer que uma das principais associações do país tem a Kelly Massaro como presidente. Ela tem feito um trabalho bastante inovador, instituindo inclusive um novo selo de certificação em PLD/FTP. Referências Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf O papel da inteligência financeira na persecução dos crimes de lavagem de dinheiro e ilícitos relacionados Os aprimoramentos e os desafios para a efetividade do sistema de PLD/FT Série “As Regras do Jogo” V Seminário – Prevenção à Lavagem de Dinheiro na Indústria do Jogo Palestra abordou o papel do COAF e as leis de prevenção à lavagem de dinheiro Autor : Da Redação