08/12/2022 atualizado em : 08/12/2022

Mulheres na PLD: Entrevista com Camila Colares (BID)

08/12/2022 atualizado em : 08/12/2022

Trunfos da PLD brasileira e lutas silenciosas das mulheres que trabalham nela.

Camila ColaresCamila Colares Bezerra iniciou sua vida profissional na OEA e é hoje Legal Consultant of Integrity do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas foi ao sistema de PLD brasileiro que dedicou a maior parte de sua carreira: o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), a CGU (Controladoria-Geral da União) e a ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) compõem seu currículo. Também mestre em Direito na London School of Economics, nesta conversa Camila Colares traz esclarecimentos sobre a ENCCLA, discorre sobre a imagem internacional da PLD brasileira e os efeitos do machismo velado no ambiente de trabalho.

 

Qual a atuação da ENCCLA e por que ela é original?

Os desafios que o Brasil experimenta e experimentou são comuns, compartilhados com outros países, mas se temos um ativo que é particular daqui eu diria que é a ENCCLA. As discussões que deram origem ao que hoje conforma a estrutura jurídica e institucional brasileira em matéria de lavagem de dinheiro, em alguma medida, passaram pela ENCCLA desde sua criação em 2003. O mais curioso é que ela não existe no papel, não tem, por exemplo, um estatuto, um corpo de regras que a regulamentem. Podemos dizer que é uma estratégia. Tudo que é feito é com base em regras costumeiras – o que poderia ser uma grande fragilidade, mas se revelou sua fortaleza.

Sem excessos de formalidades, a ENCCLA superou uma dificuldade universal que é a da coordenação interinstitucional. Ela viabiliza que órgãos de diferentes áreas de prevenção, detecção e persecução à lavagem de dinheiro sentem juntos, cada um dando sua perspectiva, permitindo uma abordagem de 360º. Ter conseguido fazer isso de forma espontânea, sem nenhum dispositivo que obrigue os órgãos a participarem, foi uma admirável conquista. A ideia pode soar simples, mas na prática é dificílimo de se conseguir, tanto que se tornou internacionalmente admirada.

Quando se entra na sala da ENCCLA você não é mais Susep, Coaf, Ministério Público, AGU… é um servidor público como todos que estão ali, com o objetivo comum de melhor detectar, investigar ou punir a lavagem de dinheiro. Em reuniões periódicas são trazidas dificuldades e medidas de aperfeiçoamento surgidas do dia a dia dos órgãos, isso facilita para que a política antilavagem se mantenha atualizada. Todas as decisões são tomadas por consenso, então existe uma predisposição natural em convergir e sair dali com decisões que sejam unânimes. Claro que a ENCCLA também enfrenta desafios de governança, mas, sem dúvidas, seus benefícios superam em muito suas disfunções.

 

Você tem uma ampla experiência na relação do Brasil com a comunidade internacional na PLD. Poderia nos dar uma perspectiva histórica da imagem e da participação do país entre seus pares? 

Já na época que estive na OEA me ficou muito claro que o Brasil era reconhecido por buscar cumprir com o que eram as suas obrigações internacionais. Desde muito cedo também o Brasil foi visto como um país cooperativo, por exemplo dividindo suas investigações, os seus achados. Até a Lava Jato esse era o sentimento da comunidade internacional em relação ao Brasil. Depois claro que houve mudanças, mas não necessariamente para uma imagem ruim do país. No início houve, sim, um certo movimento de o colocar numa posição de exportador de corrupção, mas isso logo foi mitigado por uma percepção de que, na verdade, o Brasil estava aumentando os níveis globais de enforcement contra a corrupção e a lavagem de dinheiro. No que diz respeito ao suborno de funcionários públicos estrangeiros, por exemplo, já existiam legislações específicas, mas na prática havia pouquíssimas investigações. Com a cooperação de autoridades brasileiras, empresas de vários países que vinham para o Brasil subornar funcionários públicos passaram também a serem investigadas em seus países de origem. Mais recentemente, e em grande medida porque segue na “vitrine”, o Brasil tem recebido questionamentos da comunidade internacional para o que podem ser retrocessos. De toda forma, posso dizer sem medo de errar que contamos com uma estrutura jurídica-normativa que não fica aquém da média internacional.

 

Quais são as dificuldades vividas pelo Brasil hoje na PLD?

Os desafios que enfrentamos são muito contemporâneos e comuns a outras grandes economias, como a quantidade de relatórios com alta incidência de falsos positivos que acabam dificultando que as autoridades públicas possam enxergar o que realmente é importante. Evidentemente, é um problema que começa em algo positivo: um excesso de compliance que demonstra que o sistema financeiro, por exemplo, está fazendo sua parte. Isso pode ser melhorado na medida em que os setores obrigados tenham mais claro como eles podem contribuir. Tem também o desafio das várias fintechs entrando em cena, com uma dinâmica completamente diferente das instituições financeiras tradicionais. Sua utilização para fazer pagamentos é crescente, e, porque contam com estruturas mais flexíveis, também estão mais vulneráveis a serem utilizadas para lavagem… Novamente, são desafios comuns a vários países hoje.

 

É consenso que o combate ao tratamento desigual contra as mulheres no ambiente de trabalho tem dado resultado. Como você avalia essa situação hoje?

Para mim, a pior experiência é aquela do machismo velado, ele é o mais cruel. Primeiro porque é mais difícil de ser combatido diretamente, segundo porque ele vai em ataque à sua credibilidade, do que você fala, do que você faz, pelo simples fato de ser mulher. Para o que uma mulher fala ter a mesma credibilidade do que o mesmo conteúdo dito por um homem, ela precisa passar por uma série de aprovações que não são necessárias para essa outra parte. Para mulheres que ocupam cargos de chefia, isso é particularmente exaustivo. É um machismo que se revela na forma como as pessoas falam com você, nas reações, em um comentário posterior feito para terceiros e que chega até você. E é claro que estar exposta a isso 24/7 acaba fazendo com que você mesma se questione muitas vezes e se coloque em uma posição de devedora.

 

Apesar dessas vivências, quais os exemplos que a inspiraram e deram força?

Sem dúvidas a minha mãe, que me ensinou a ser forte, me impôs quase que como uma obrigação. Ela me dizia que eu podia até decidir ficar em casa e ser uma mãe de família exclusivamente, mas que eu deveria fazer isso porque decidi, e não porque fraquejei diante dos obstáculos que são colocados para as mulheres. Já minha grande inspiração hoje é minha filha. Depois que ela fez um ano de idade eu precisei viajar muito a trabalho e percebi que, ou eu me livrava daquela constante culpa que nos paralisa, ou eu precisaria desistir. Então comecei a focar nos aspectos positivos, e foi minha filha que me ensinou a fazer isso, a ser resiliente. Também me ensinou a beleza de ser coerente com seus princípios, buscar o que acha o certo a despeito do que possam estar falando: “como você é mãe e viaja tanto…”, “como você deixa uma criança de um ano com o pai…”. Hoje acho que minha filha se tornou uma pessoa maravilhosa em parte porque fiz isso. Ela construiu uma relação com ela mesma, de confiança, teve uma percepção de mundo trazida por essas viagens que nenhuma criança da idade dela tinha, ela estabeleceu uma relação fantástica com o pai, que felizmente é um homem muito consciente nesse aspecto e me ajudou muito. Então o que no começo era uma grande fonte de culpa se tornou minha principal fonte de inspiração para fazer o certo, trabalhar, dar o melhor de mim.

 

REFERÊNCIAS

Linkedin: Camila Colares

Escavador: Camila Colares Bezerra

Congresso IPLD: Camila Colares Bezerra

 


Autor: Da Redação.