Especialista ressalta que devemos estar atentos a possibilidade de terrorismo no Brasil e informação é melhor forma de lidar com o problema Imagem: Adobe Stock Os ataques terroristas causam pânico e deixam um rastro de destruição nos Estados ou territórios atingidos. Depois dos ataques às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, no Estados Unidos, as táticas político-militares com fins político-ideológicos têm sido primordialmente associadas a países do Oriente Médio, Ásia e África, como se os países da América do Sul estivessem distantes desta realidade. A questão é que a mídia nos bombardeou de imagens e reportagens sobre os ataques terroristas que aconteceram pelo mundo. Assim, quando não vemos um “ataque terrorista” acontecendo no Brasil, pensamos que não há terrorismo aqui. Contudo, a atividade terrorista vai muito além do atentado e incorpora uma série de outros atos como treinamento, recrutamento, financiamento, comunicação e propaganda, etc. Essas ações do chamado ciclo da atividade terrorista acontecem no mundo todo, inclusive no Brasil. Quem chama a atenção para esse desconhecimento da realidade brasileira é o professor da PUC-Minas, CEO da Ágama Business Trainning e doutor em Relações Internacionais pela London School of Economics and Political Science (LSE), Jorge Lasmar. “A ameaça terrorista internacional no Brasil é baixa, mas existem indícios de que grupos e ideologias extremistas como Al Qaeda, ISIS, Al Shabaab e movimentos de terrorismo racialmente ou etnicamente motivados, dentre outros, têm passagem em território brasileiro”, afirma. De acordo com o especialista, o Brasil não está livre da possibilidade de que atividades como recrutamento, radicalização e financiamento de organizações extremistas aconteçam por aqui. Jorge Lasmar ressalta que isso é importante porque, como o próprio GAFI afirma, o risco de financiamento do terrorismo é um risco diferente e distinto do risco de um ataque terrorista”. ” O Brasil não está livre da possibilidade de que atividades como recrutamento, radicalização e financiamento de organizações extremistas aconteçam por aqui “ Segundo o especialista, no Brasil, o risco de um ataque terrorista é relativamente baixo, embora não seja inexistente. Porém, o risco de financiamento do terrorismo já é um pouco mais expressivo. Jorge Lasmar lembra que as autoridades brasileiras estão atentas a isto. O próprio Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) publicou em sua última versão da coletânea ‘Casos & Casos’ seis tipologias de casos de financiamento ao terrorismo. Alguns desses casos envolviam valores expressivos, operações de câmbio, propriedades rurais, simulação de exportações e até a utilização de dólar-cabo e dólar-cabo reverso. “Isso é um recado do COAF de que os setores obrigados devem estar atentos e vigilantes para as possibilidades de financiamento do terrorismo no Brasil”, diz Jorge. Jorge Lasmar ressalta que é importante entender as diferenças entre os processos de lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo. “Uma das diferenças importantes se dá quanto às fontes ou origens dos recursos. Se por um lado a origem dos ativos da lavagem de dinheiro sempre estão ligados a uma atividade criminosa, por outro os ativos ligados ao financiamento ao terrorismo podem ter tanto origem lícitas quanto ilícitas. No caso de financiamento proveniente de fontes ilícitas, vários dos mecanismos e técnicas podem coincidir com aqueles usados na lavagem de dinheiro. Ademais, a própria atividade criminosa em si pode vir a facilitar a detecção. Mas, nem sempre esse é o caso. Os casos de financiamento do terrorismo a partir de fontes lícitas são consideravelmente mais difíceis de serem detectados e exigem uma atenção maior do setor privado. É preciso entender as semelhanças e diferenças entre a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo e estar atento aos indicadores de risco específicos em cada setor para se implementar práticas e políticas efetivas de prevenção ao financiamento do terrorismo”, explica. Como acontece o financiamento do terrorismo Jorge Lasmar diz que após o financiamento, os recursos são transferidos para serem posteriormente utilizados pelos grupos extremistas. É comum que as transferências atravessem várias jurisdições diferentes antes de serem utilizadas. “Os grupos extremistas são extremamente inventivos e empregam uma série de técnicas diferentes para transferir os ativos. As técnicas vão desde a transferência física do ativo, através de courriers por exemplo, passando por transferências eletrônicas – seja utilizando dos canais comuns do sistema financeiro ou através do uso criativo de outros recursos disponíveis na internet – até através de procedimentos ligados a bens e serviços como o hawala (dólar-cabo). A transferência é um dos momentos mais vulneráveis da prática de financiamento do terrorismo e a sua interrupção ou monitoramento é um passo importante para a descapitalização de grupos extremistas”. Interrupção da cadeia Em resposta ao 11/09, o Conselho de Segurança da ONU emitiu a resolução 1373 (2001) que obriga os Estados a adotarem legislação para criminalizar o terrorismo, seu financiamento e apoio. No Brasil, foi editada a lei 13260/2016 que definiu terrorismo como: “a prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. A existência de uma lei antiterrorismo e a incorporação de tratados internacionais e resoluções do Conselho de Segurança da ONU no ordenamento jurídico interno são importantes para efeitos de direito penal e persecução criminal. Ajuda dos programas de compliance De acordo com o especialista, programas de compliance de empresas privadas são aliadas na prevenção e combate à LD-FT. “Os setores obrigados têm um papel importante na prevenção e detecção do financiamento do terrorismo. Monitorar transações e comportamentos suspeitos além de encaminhar bons relatórios de transações suspeitas contendo informações consistentes e sistematizadas contribuem enormemente para o sucesso de futuras investigações e as medidas de repressão das autoridades. O setor privado também cumpre uma tarefa relevante ao monitorar ativamente as listas restritivas e ao adotar ações rápidas de comunicação e congelamento de bens nos termos da lei 13.810.” Um olhar humanizado Jorge Lasmar ressalta a importância de aliar a inteligência humana com o uso de novas ferramentas de tecnologias, como a inteligência artificial, para desbaratar o financiamento do terrorismo. “Grande parte do foco da análise de transações suspeitas de lavagem de dinheiro recai na análise das transações. No caso do financiamento do terrorismo, como a origem dos ativos pode ser lícita e os valores transacionados podem ser muitos baixos, o foco de detecção em alguns casos se desloca de transações suspeitas para relações suspeitas. Daí a importância do elemento humano na detecção e prevenção do financiamento do terrorismo. Não há dúvidas de que o uso de softwares e ferramentas tecnológicas específicas são cada vez mais relevantes na prevenção do FT, mas o seu uso deve vir acompanhado do devido treinamento e preparo dos colaboradores de ponta a ponta”. Crime político ou social? “Sem entrar na discussão da tipificação legal do crime de terrorismo, podemos dizer que o ato é geralmente caracterizado como um tipo específico de violência política. Por suas características próprias, tanto atos terroristas quanto às respostas governamentais a esses atos podem ter um grande impacto social. Assim é preciso ter muita responsabilidade no tratamento do assunto”. Referências PLANALTO. Lei Nº 13.260, de 16 de março de 2016. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13260.htm PLANALTO. Decreto Nº 3.976, de 18 de outubro de 2001. Dispõe sobre a execução, no Território Nacional, da Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3976.htm Sugestões de leitura: FONSECA, Guilherme; LASMAR, Jorge. Passaporte para o terror: os voluntários do Estado Islâmico. 1ª edição. Appris Editora, 2017. CUNHA, Ciro Leal. Terrorismo internacional e política externa brasileira após o 11 de setembro. Funag, 2010. CRONIN, Audrey Kurth. How Terrorism Ends. Princeton, 2009. LASMAR, Jorge – entrevista Autor: Da Redação