Imagem: Freepik Há quem diga que o terrorismo é como a pornografia: é difícil definir, mas você reconhece quando vê (Walter Laqueur, 1986). A definição de terrorismo é algo amplamente discutido e, dificilmente, encontra-se um consenso. O que geralmente se vê nessas discussões, é a utilização vulgar do termo como algo pejorativo para ofender grupos ou indivíduos oponentes. Entretanto, definitivamente, terrorismo não se resume a uma palavra de xingamento. Para se chegar a uma definição de terrorismo do ponto de vista técnico, é preciso se distanciar das cargas emocionais e dos julgamentos que esse termo carrega. A classificação de um ato terrorista pode abarcar visões enviesadas ao apontar apenas a oposição como terroristas e seus aliados como “lutadores pela liberdade” (ou freedom fighters). A classificação de um ato terrorista pode abarcar visões enviesadas ao apontar apenas a oposição como terroristas e seus aliados como ‘lutadores pela liberdade’ (ou freedom fighters). Ademais, como diferenciar tais atentados daqueles entendidos como insurgência, guerrilhas, extremismos, ou violência política? Outro ponto importante é compreender como esses atos são classificados quando cometidos ou incentivados pelo Estado e/ou seus representantes, pois, afinal, pode o Estado também cometer atos terroristas? Dentre as várias sugestões para a conceituação do terrorismo, há alguns elementos de consenso que abordam sobre o uso intencional da violência contra civis e não combatentes com a intenção de causar um estado de medo e pânico social. Em outras palavras, de acordo com essa definição, atos de violência política por si só, que não cumprem com esses requisitos, não são classificados como terrorismo. As motivações e repercussões dos atos terroristas podem ser, mas não se limitam a causas políticas, religiosas, ideológicas e sociais. Como muito bem argumentado por Alex Schmid (2012), as vítimas diretas de um ataque terrorista não são seu alvo final, uma vez que o uso do terrorismo, enquanto tática, serve para “atingir diversos públicos, e partes, em conflito que se identificam seja com a situação das vítimas ou com a causa declarada dos terroristas”. Ou seja, os ataques terroristas têm, sobretudo, o intuito de passar uma mensagem para a(s) audiência(s) selecionada(s) pelo grupo sobre determinada causa, chamar a atenção do público ou, até mesmo, atrair apoio. Em vista disso, entende-se que um atentado terrorista pode ser perpetrado por grupos não estatais, mas também por representantes do próprio Estado ou grupos apoiados por ele. No entanto, não podemos reduzir essa discussão somente aos ataques terroristas cometidos por essas coletividades, uma vez que há toda uma logística e uma organização estratégica e operacional por trás que mantém esses grupos e indivíduos atuando. Uma organização terrorista terá iniciativas que podem ser classificadas, ou não, como ataque terrorista. A começar pelo financiamento e as fontes de arrecadação de recursos utilizadas por esses grupos, uma vez que existem gastos não somente para a realização de ataques, mas também para manter o funcionamento prático desses grupos (pagamento de salários para membros com dedicação exclusiva, aluguel, gastos com mídia, propaganda, etc.) e até mesmo em programas de ação social para a arrecadação de apoiadores (Jorge Lasmar, 2018). Nesse sentido, é preciso entender todas as etapas que fazem parte do chamado ‘ciclo do terrorismo’ para identificar as fases que precedem um ataque e que são primordiais para que ele aconteça, incluindo desde a disseminação de propaganda ideológica e o recrutamento de apoiadores, até o financiamento e manutenção das estruturas organizacionais daquele grupo ou movimento. Mas, então, se a definição de terrorismo é tão contestada, por que ela é importante? Desde a criação da Lei de Terrorismo no Brasil em 2016, muito tem se discutido sobre quais casos poderiam se enquadrar dentro dessa legislação. Houve, e ainda há, um grande receio de que movimentos sociais, até então legítimos, fossem criminalizados dentro da definição desta lei. Portanto, argumenta-se sobre a defasagem de tal conceituação do legislador brasileiro ao excluir, por exemplo, a motivação política da definição legal do terrorismo. Porém, como exposto anteriormente, somente a motivação política, apesar de se apresentar como um dos elementos, não é suficiente para enquadrar um ato de violência como terrorista. A falta de uma legislação mais compreensiva acerca do terrorismo impacta não somente situações em que atos são erroneamente classificados como terroristas, mas também na equivocada percepção de que o Brasil não é destino dessas atividades que precedem um ataque. A importância de uma compreensão mais ampla sobre a importância de uma legislação mais holística de contraterrorismo no Brasil é muito bem retratada por Jorge Lasmar (2017) ao argumentar como a lei vigente, além de sua vaga definição de terrorismo, não lida com os mecanismos operacionais e investigativos de polícia, investigação e inteligência que tratam do aparato institucional e estratégico que envolvem uma operação terrorista. Em vista disso, a falta de entendimento sobre esse tema pode ser claramente percebida nos debates que ocorreram após os acontecimentos do dia 08 de janeiro de 2023, em Brasília. A discussão foi se os atos de violência cometidos podem ser classificados como atos terroristas. Como anteriormente mencionado, por não incluir motivação política, os crimes cometidos não podem se enquadrar como terroristas sob a perspectiva da legislação brasileira. Entretanto, há de se lembrar que a legislação não possui uma definição clara e precisa sobre o terrorismo. Ainda assim, considerando os elementos que apresentam consenso dentro da definição técnica do terrorismo aqui já discutida, mesmo havendo o elemento da motivação política na legislação, esses crimes também não se encaixam nesse conceito. Esse é apenas um dos vários casos em que crimes de violência política são erroneamente classificados como atos de terrorismo, o que nos retoma ao questionamento sobre a importância de uma definição clara. A exemplo disso, podemos citar os casos dos atiradores que, infelizmente, são conhecidos nos Estados Unidos por entrarem nas escolas disparando contra os alunos e funcionários. Nestes casos, apesar de atentarem contra vítimas civis e não combatentes, não há motivação, seja ela política, religiosa, étnica, etc., tampouco são parte de ou inspirados por um movimento ou grupo organizado. Retomando o argumento acima sobre a importância do distanciamento dos julgamentos e cargas emocionais ao discutir sobre atos terroristas, é importante ressaltar que, mesmo os atos cometidos em 08 de janeiro não sendo enquadrados como terrorismo, isso não significa que não devam ser severamente recriminados, combatidos e punidos. Isso também não significa que por trás dos crimes cometidos em Brasília não haja movimentações de organizações e grupos terroristas que financiam esses indivíduos e propagam sua ideologia extremista. É preciso se distanciar das ideias equivocadas de que terrorismo é somente o que se vê na mídia quando uma bomba é detonada por radicais islamistas em países distantes. É de extrema importância reconhecer que o terrorismo pode se manifestar de diferentes formas ideológicas e, sobretudo, entender como ele pode se manifestar no Brasil dentro da nossa realidade contextual e histórica. Sem dúvidas, os movimentos de extrema direita no país vêm crescendo frente a um cenário de profunda polarização e, mais do que nunca, essa discussão sobre o terrorismo e os mecanismos de contraterrorismo no Brasil precisam ter mais espaço. Referências LASMAR, J. As Dinâmicas Financeiras do Terrorismo Internacional. In: CHUY, J. F. M.; FAGUNDES, C. F. F.; LASMAR, J. M. (Eds.). Perspectivas do Terrorismo Transnacional Contemporâneo. Belo Horizonte: Editora Arraes, 2019. LASMAR, J. M. (2020). When the shoe doesn’t fit: Brazilian approaches to terrorism and counterterrorism in the post-9/11 era. In Michael J. Boyle (Ed.), Non-Western responses to terrorism. Manchester, UK: Manchester University Press. SCHMID, Alex P. The revised academic consensus definition of terrorism. Perspectives on Terrorism, v. 6, n. 2, 2012. LAQUEUR, Walter. Reflections on terrorism. Foreign Affairs., v. 65, p. 86, 1986.