07/06/2018 atualizado em : 07/06/2018

Como melhorar o combate à corrupção, segundo esta organização

07/06/2018 atualizado em : 07/06/2018

A corrupção passou a liderar a lista de preocupações do eleitor brasileiro, deixando para trás demandas tradicionais como saúde e segurança, como indicam pesquisas de opinião recentes. Entre 2016 e 2017, o Brasil piorou 17 posições em ranking internacional que avalia a corrupção no setor público, ocupando o 96º entre 180 países. Essas avaliações coincidem com o momento da realização das maiores investigações de corrupção já realizadas no país, que lançaram luz sobre esquemas bilionários envolvendo políticos, empresários e agentes públicos. O cenário brasileiro serviu de inspiração para a Transparência Internacional apresentar, segundo ela, o maior pacote de combate à corrupção. O documento “Novas Medidas Contra a Corrupção”, apresentado na terça-feira (5), foi elaborado pela Transparência, organização que atua em 110 países promovendo ações de combate a más práticas, com apoio das escolas de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio e São Paulo. As 70 medidas sugeridas têm como base práticas já adotadas em outros países, além de consultas a centenas de instituições públicas e pesquisadores brasileiros. Todas elas são sugestões legislativas, quer dizer, são anteprojetos de lei, propostas de emenda à Constituição, entre outros projetos que precisam ser analisados e votados por parlamentares para serem, então, postos em prática.

O que as medidas propõem

As 70 medidas estão agrupadas em 12 eixos, que propõem novas práticas para órgãos públicos, partidos políticos e punições mais rígidas para certas práticas. Há por exemplo sugestões para tornar obrigatória a realização de processo seletivo para cargos em comissão e de confiança e, assim, diminuir a influência partidária na gestão pública.

O conjunto de sugestões vai além das “Dez medidas contra a corrupção”, elaboradas por integrantes do Ministério Público Federal, em 2015, que estão paradas no Senado. A nova versão mexe em questões diretamente relacionadas à atividade parlamentar, como propor a prisão provisória de deputados e senadores (algo que atualmente só ocorre em situações de flagrante e com autorização dos próprios parlamentares) e a restrição do repasse de recursos públicos a campanhas eleitorais.

Na tentativa fazer com que as 70 medidas não tenham o mesmo desfecho da iniciativa anterior, a Transparência Internacional lançou uma campanha, por meio da qual espera convencer eleitores a votar em candidatos que aderirem ao manifesto proposto pela organização. Abaixo, os 12 eixos:

1) Sistemas, conselhos e diretrizes

São ações mais amplas, de esfera administrativa, com objetivo de uniformizar condutas para facilitar o controle das atividades e o combate da corrupção. Inclui a elaboração de um Plano de Combate à Corrupção e criação de um Conselho Nacional de Estado, que seria responsável por propor normas a serem seguidas por órgãos federais, estaduais e municipais (como regras para concursos públicos e para licitações).

“As compras públicas têm sido o centro de grandes esquemas de corrupção. (…) Assim, pretende-se criar um portal único na internet em que se concentrará todas as informações sobre compras realizadas pela administração pública”
Novas Medidas Contra a Corrupção
proposta nº 3

2) Participação e controle social

Seriam mecanismos para incentivar e assegurar a maior participação da sociedade civil na proposição de leis e na fiscalização dos órgãos públicos. Para isso, a Transparência sugere a criação de mecanismos para que projetos de lei de iniciativa popular recebam apoio por meio de assinatura eletrônica, ou seja, pela internet.

Atualmente é necessário coletar assinaturas de no mínimo 1% dos eleitores (algo em torno de 1,4 milhão) em cinco estados para que um projeto seja protocolado no Congresso. Em outra frente, esse eixo propõe mecanismos para a efetiva aplicação da Lei de Acesso à Informação, que obriga órgãos públicos a prestar contas do que faz.

3) Prevenção da corrupção

Na avaliação dos autores das medidas, o excesso de burocracia por vezes abre oportunidades para a corrupção – o que ocorre quando, por exemplo, um empresário oferece algo em troca para sua demanda ser atendida mais rapidamente.

Por essa razão, uma das propostas é modernizar a gestão pública, por meio de uma Política Nacional para a Desburocratização. Os autores sugerem ainda regras mais rígidas para celebração de contratos de obras públicas de alto valor, além de impor limites à circulação de dinheiro em espécie – uma maneira de dificultar o pagamento de propina e a lavagem de dinheiro.

4) Eleições e partidos políticos

Seis dos 70 pontos propõem medidas nos campos partidário e eleitoral. Os partidos ficariam obrigados a divulgar a prestação de contas na internet em seus próprios sites. As siglas, portanto, ficariam submetidas à Lei de Acesso à Informação, atualmente focada a órgãos públicos, e à Lei Anticorrupção, já que seus agentes passariam a ser punidos por práticas cometidas no exercício da atividade partidária.

Há também a sugestão de extinguir o fundo eleitoral, criado em 2017 pelo Congresso para custear campanhas. No campo jurídico, uma das propostas é ampliar as condições para a Justiça Eleitoral efetivamente punir partidos e candidatos que tiverem contas reprovadas (algo que raramente ocorre hoje). E ainda criminalizar o caixa dois (doações não contabilizadas, hoje enquadradas como falsidade ideológica eleitoral).

“A criminalização do ‘Caixa 2’ aumenta os custos desse tipo de prática, que é, com frequência, a motivação para o estabelecimento de grandes esquemas de corrupção”
proposta nº 20

5) Responsabilização de agentes públicos

Além de restringir ainda mais o foro privilegiado (ficando restrito a crimes de responsabilidade), o pacote sugere que seja autorizada a prisão preventiva de parlamentares. Atualmente, deputados e senadores têm imunidade parlamentar e só podem ser presos em situações específicas, como casos de flagrante e quando já há condenação.

O material também propõe medidas a integrantes do Judiciário e do Ministério Público. Entre elas a atualização da Lei de Abuso de Autoridade para punir eventuais excessos. Outra sugestão é extinguir a aposentadoria compulsória (com pagamento de salário) como pena a juízes punidos por irregularidades.

6) Independência de agentes públicos

A seleção de ministros e conselheiros de tribunais de contas passaria a exigir um tipo de Ficha Limpa, em que os indicados não podem ter condenações por certos crimes. Esses órgãos têm por atribuição fiscalizar as contas das administrações públicas, mas muitos dos fiscais são indicados pelos próprios gestores.

A indicação de ministros do Supremo também mudaria. Ela continuaria feita pelo presidente da República, mas este teria de apresentar uma lista com cinco possíveis nomes. Trinta dias depois ele anunciaria o escolhido. Naquele período, a sociedade poderia analisar os nomes, os submetendo a escrutínio público.

7) Controle interno e externo

Um dos enfoques do pacote é aprimorar práticas de combate e prevenção na gestão municipal. Um programa nacional serviria de base para a elaboração de código de conduta a ser seguido e modelos de auditoria interna. As cidades que aderissem ao programa receberiam benefícios fiscais.

Em outra frente, a proposta diz que o Tribunal de Contas da União deveria, de forma aleatória e por sorteio, realizar auditoria dos patrimônio de agentes públicos a fim de identificar possíveis irregularidades.

8) No setor privado

A primeira proposta é regulamentar a atividade do lobby (agentes que representam interesses de empresas e organizações não governamentais). Há um projeto de lei na Câmara, mas a sugestão inclui mais pontos, como quarentena a quem exerceu cargo eletivo e registro público de encontros entre agentes e autoridades.

Outra proposta é criar a tipificação por “corrupção privada”, para punir atos praticados por empresas e empresários. Atualmente o ordenamento jurídico brasileiro prevê punições por corrupção a atos cometidos contra a administração pública. Projeto semelhante está no Senado, mas sem previsão de ir à votação.

“A corrupção privada não está tipificada no Brasil, a despeito das recomendações internacionais e da gravidade da conduta. Ao mesmo tempo que o Código Penal reprime o desvio fraudulento ou a apropriação de recursos de uma empresa, silencia em relação a esse comportamento, que lesa igualmente as empresas, mas, para além delas, prejudica os consumidores, a livre concorrência e a ordem econômica”
proposta nº 46

9) Investigação

Amplia os mecanismos de cooperação entre autoridades brasileiras e estrangeiras em investigações de crimes financeiros e de esquemas de corrupção. A medida visa dar mais agilidade a troca de provas, documentos e evitar a fuga de investigados.

10) Resposta pública

Neste eixo os autores sugerem uma série de ações com objetivo de dar celeridade ao andamento das investigações e dos processos na Justiça. Uma delas é determinar que uma ação não fique mais de dois anos para ser julgada e no máximo um ano aguardando recurso contra decisões judiciais.

O material também sugere condições mais rígidas a recursos contra sentenças para evitar que o caso se alongue demais e condenados acabem sem punição. Crimes de corrupção passariam a ter penas mais altas e condenados por essas práticas não poderiam ser mais anistiados nem receber indulto (perdão ou redução de pena).

11) Improbidade administrativa

Atos praticados por agentes públicos passariam a ser julgados em varas específicas, para dar agilidade a análise dos processos. Passaria a ser considerada improbidade administrativa também aquele agente que, por briga política, se negar a prestar informações de sua atividade a outro agente.

12) Dinheiro desviado

Há propostas que procuram ampliar as normas e punições a condenados a fim de recuperar valores ganhos por meio de corrupção ou da má gestão pública. Uma das propostas determina que bancos criem setores próprios para atender ordens judiciais de quebra de sigilo e de rastreamento de recursos suspeitos.