Nos últimos anos, a transformação digital deixou de ser apenas uma estratégia de inovação para se tornar um pilar essencial da competitividade no setor bancário. Processos que antes eram predominantemente presenciais — como abertura de contas, concessão de crédito e monitoramento de transações — migraram para plataformas digitais, permitindo agilidade, conveniência e expansão do acesso a serviços financeiros. No entanto, inovações e mudanças de processos no mercado financeiro sempre veem acompanhadas de novos desafios, especialmente no que diz respeito ao combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP). A sofisticação das fraudes digitais, aliada à velocidade das operações, exige que instituições financeiras fortaleçam seus mecanismos de compliance sem perder a eficiência que a digitalização proporciona. A evolução da transformação digital no setor bancário A digitalização bancária no Brasil avançou em ritmo acelerado na última década. Segundo a FEBRABAN[1], em 2023 mais de 70% das transações bancárias já eram realizadas por canais digitais, com destaque para aplicativos móveis. Esse número contrasta com menos de 40% em 2015, evidenciando a rapidez da mudança. Se, por um lado, os clientes se beneficiam da facilidade de abrir uma conta em minutos com apenas alguns cliques, por outro, essa agilidade também cria brechas para criminosos utilizarem sistemas bancários como instrumentos de ocultação de recursos ilícitos. A velocidade de movimentações instantâneas, como no caso do Pix, aumenta a pressão sobre os sistemas de monitoramento, que precisam identificar em tempo real padrões suspeitos em meio a milhões de transações diárias. Essa realidade exige um reposicionamento das áreas de compliance: de um papel reativo e burocrático para um papel estratégico, apoiado em dados, tecnologia e integração regulatória. Aplicação da regulação de PLD/FTP nessa nova era No Brasil, a Lei nº 9.613/1998 e as resoluções do Banco Central (como a Resolução CMN nº 50/2020 e a Circular Bacen nº 3.978/2020) estabelecem diretrizes claras para PLD/FTP, exigindo que as instituições implementem políticas, procedimentos e controles compatíveis com seu porte e perfil de risco. A era digital trouxe complexidades adicionais: a necessidade de identificar clientes de forma remota, monitorar transações instantâneas e analisar grandes volumes de dados em tempo real. Isso torna insuficiente o uso de ferramentas tradicionais, como listas de bloqueio e monitoramentos manuais. Nesse contexto, tecnologias como inteligência artificial (IA), big data analytics e machine learning tornaram-se essenciais para atender às exigências regulatórias, possibilitando que os bancos detectem padrões anômalos, automatizem relatórios regulatórios e reduzam falsos positivos. No Brasil, um banco digital de grande porte implementou soluções de análise comportamental para monitorar transações via Pix. O sistema aprendeu a identificar desvios de comportamento, como transferências sucessivas para contas recém-abertas ou movimentações acima do padrão histórico do cliente. Como resultado, conseguiu bloquear preventivamente mais de R$ 200 milhões em transações suspeitas em 2022, reforçando sua credibilidade junto ao regulador e aos clientes. Atualmente estamos vendo casos semelhantes quase semanalmente e, a cada novo caso, mais se reforça a necessidade do uso da tecnologia para combater essas frentes criminosas. Oportunidades para fortalecimento da PLD/FTP Se os desafios são significativos, as oportunidades também se mostram promissoras. A transformação digital pode ser vista não como um risco, mas como uma aliada no fortalecimento da PLD/FTP. Algumas tendências se destacam: Integração entre bancos e fintechs: a expansão do open finance permitirá maior compartilhamento de dados, favorecendo a construção de perfis mais completos de clientes e aumentando a eficiência do monitoramento. Uso de biometria avançada e verificação digital de identidade: ferramentas que reduzem fraudes de identidade e garantem que a identificação do cliente seja feita de forma mais segura. Automatização regulatória (RegTechs): soluções que permitem atender às exigências do Banco Central de forma ágil e padronizada, reduzindo custos de conformidade. Análise preditiva com IA: não apenas identificar transações suspeitas, mas prever comportamentos que indicam risco de PLD/FTP antes mesmo de sua ocorrência. O futuro aponta para um compliance cada vez mais digital, proativo e integrado. Instituições que conseguirem equilibrar inovação tecnológica com responsabilidade regulatória terão não apenas maior segurança, mas também vantagem competitiva em um mercado cada vez mais exigente. A digitalização não elimina a responsabilidade regulatória: ela a intensifica. Por isso, é essencial que bancos, fintechs e demais instituições financeiras invistam em tecnologias alinhadas às normas do Banco Central, revisem continuamente suas políticas de PLD/FTP e promovam a capacitação de suas equipes de compliance. O fortalecimento da governança regulatória é o que garantirá não apenas conformidade, mas também a sustentabilidade e a credibilidade do setor financeiro no longo prazo. Autora Cintia Falcão, diretora executiva da ACREFI – Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento. Advogada especialista em direito bancário e digital, atua há 21 anos com consultoria jurídica e regulatória. Pós-graduada em relações de consumo pela PUC/SP, especialista em direito digital e MBA em Finanças pelo Insper. Coordenadora e coautora da obra Direito Exponencial: O Papel das Novas Tecnologias no Jurídico do Futuro, coautora das obras Sistema Financeiro em Movimento, Banking 4.0, LGPD Aplicada e Editora Convidada da 6ª edição da RDTEC – revista do Direito e as Novas Tecnologias.