27/10/2020

Tipologia: a lavagem de dinheiro ligada à organizações religiosas

27/10/2020

Uma equipe de inspetores da Moneyval – entidade criada para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo na Europa – realizou no início de outubro uma visita ao Vaticano para verificar o cumprimento das normas internacionais de prevenção a esses crimes. O comitê avaliou também se a instituição financeira da cidade-estado segue as 40 recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI).

Esta não é a primeira vez que a gestão das finanças do Vaticano ganha destaque mundial. Em junho de 2020, a polícia do Vaticano prendeu um cidadão italiano por intermediação de um acordo polêmico no qual o Vaticano usou dinheiro da Igreja para comprar um prédio de luxo em Londres como investimento. Ele foi acusado de extorsão, desfalque, fraude e lavagem de dinheiro. A investigação também levou, no ano passado, à suspensão de cinco funcionários, à renúncia do chefe de polícia e à saída do ex-chefe da Autoridade de Informação Financeira do Vaticano. 

Após a visita da Moneyval, as autoridades da cidade-estado anunciaram que a atividade de supervisão dos fluxos financeiros será reforçada. Afirmaram também que as alterações na Lei XVIII, de 2013, que inclui PLD-FT, fazem parte de uma estratégia completa destinada a tornar a gestão das finanças do Vaticano cada vez mais transparente, dentro de um quadro de controles intensos e coordenados.

Liberdade religiosa X controles fracos


O Vaticano já havia sido alertado anteriormente sobre as limitações em seus controles que facilitariam a ação dos criminosos. Agora, as autoridades financeiras do mini estado católico terão de agir rapidamente. A União Europeia (UE) aprovou uma ajuda de 750 bilhões de euros para os países que tiveram mais prejuízos para a economia nessa pandemia.

Deste total, 209 bilhões de euros (28%) vão para a Itália, país mais atingido pela crise na Europa. Fazer parte da Itália e ser reconhecida pela fragilidade em seus controles tornam o Vaticano uma isca perfeita para atrair organizações criminosas.

Não é de hoje que o crime organizado tem explorado as vulnerabilidades e se aproveitado dos benefícios que são concedidos às igrejas. Um direito das organizações religiosas é poder receber doações anônimas por meio de dízimos pagos pelos fiéis.

Como não é necessário justificar a origem dos donativos, as igrejas podem se tornar uma máquina ideal de lavagem de dinheiro, sem que os valores pareçam ter uma origem criminosa, uma vez que são supostamente doações de seguidores.

Os casos de abuso nas igrejas


A existência de casos de crimes financeiros, em especial relacionados à lavagem de dinheiro, não é representativo de como atuam as igrejas em todo o mundo. O trabalho realizado pelas congregações religiosas tem um valor inestimável para a sociedade. Mas há algumas organizações que se aproveitam das fraquezas do sistema ou mesmo da confiança dos fiéis para esconder ou cometer crimes.

A partir do Código Civil de 2002, as organizações religiosas passaram a ser consideradas pessoas jurídicas de direito privado. É garantido pela Lei 10.825/2003a livre criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.”

Quanto à sua responsabilidade financeira, o Código Civil proíbe a “divulgação de lista que contenha nome ou valores dos dizimistas ou lista de não contribuinte ou faltantes, principalmente em lugares de acesso a todos os membros, sendo importante à instituição de um Conselho Fiscal, com a prestação de contas das contribuições recebidas, com a apresentação de balanços contábeis periódicos aos membros, numa visão de transparência, sobretudo na comprovação de aplicação nos seus fins“. No entanto, os relatórios financeiros são de uso restrito da autoridade religiosa e do tesoureiro.

De acordo com a Agência Pública, o número de igrejas registradas no Brasil duplicou em 15 anos, chegando a 25.022 em 2018. Há risco desse número estar distorcido pelo abuso de registros, ou seja, organizações sem fins lucrativos, empresas e outras entidades se registram falsamente como igrejas.

Em 2012, a polícia brasileira deteve um grupo criminoso que utilizou uma conta bancária de uma igreja para transferir R$ 400 milhões procedentes de crimes contra o sistema financeiro. Segundo a Polícia Federal, a Igreja Ação e Distribuição só existia como fachada legal. Nunca teve local – no endereço indicado existia uma academia – nem seguidores. No comunicado da PF, consta que “a associação religiosa foi criada por gozar de imunidade tributária, o que, diminuiria as probabilidades de fiscalização, na visão dos integrantes do grupo”. (aqui)

Casos recentes no Brasil


Em setembro de 2020, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) divulgou como  resultado da investigação sobre o “QG da Propina” ter indícios de que a Igreja Universal tenha sido usada para “lavagem de dinheiro”. No inquérito, o empresário Rafael Alves, acusado como principal operador financeiro da organização, afirmou que seria capaz de revelar esquemas de corrupção envolvendo o prefeito Marcelo Crivella e a Igreja Universal. (
aqui)

O Ministério Madureira, um dos braços da principal denominação evangélica do país, a Assembleia de Deus, foi relacionado a um suposto caso de lavagem de dinheiro. A apuração também envolve o líder do Ministério Brás da mesma igreja, Samuel Cassio Ferreira. Eles estão sendo investigados desde 2015 por possível lavagem de um suborno pago a um político condenado na Lava Jato. 

Os bispos Edir Macedo e João Batista, da Igreja Universal do Reino de Deus, foram investigados por lavagem de dinheiro e outros crimes e chegaram a ser réus em um processo na justiça criminal federal. Após oito anos de investigações, o caso prescreveu em setembro de 2019, quando venceu o prazo legal para iniciar o julgamento contra Macedo e Batista. Ambos sempre negaram as acusações.

 

Autor

Manuel Bermejo Fletes

Formado em Administração de Empresas, com MBA em Gestão Estratégica de Negócios e Especialização em Compliance como ferramenta de Gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Profissional com mais de oito anos de experiência na área financeira, coordenando equipes e projetos em instituições nacionais e internacionais. Hoje é Coordenador da área de Monitoramento de Operações de PLD/FT.