18/01/2024 Atualizado em : 19/01/2024

Sigilo bancário e combate à Lavagem de Dinheiro no Brasil: uma análise das leis e práticas

18/01/2024 Atualizado em : 19/01/2024

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece o direito à inviolabilidade do sigilo de dados, incluindo informações financeiras, sendo esta a base para a proteção do sigilo bancário no país.

Lei Complementar nº 105/2001: um marco na regulação do sigilo bancário

A Lei Complementar nº 105/2001 é uma das principais normas de regulação ao sigilo bancário no Brasil. Nela, é possível identificar as principais condições estabelecidas sob as quais as autoridades fiscais podem acessar informações financeiras de contribuintes, desde que haja autorização judicial, fundamentada e justificada.

No contexto das Recomendações do GAFI, a LC nº 105/2001 é relevante, especialmente, no que diz respeito à troca de informações financeiras entre autoridades fiscais, pois estabelece as condições sob as quais as autoridades fiscais podem acessar informações financeiras.

Lei de Lavagem de Dinheiro: Lei nº 9.613/98

É importante destacar que a Lei nº 9.613/98, também conhecida como “Lei de Lavagem de Dinheiro”, foi um marco importante na regulamentação dos crimes de lavagem de dinheiro no Brasil, estabelecendo as bases legais para a prevenção e repressão à lavagem de dinheiro no país.

Esta lei estabeleceu os procedimentos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), que devem ser seguidos por diversas instituições financeiras e entidades, incluindo bancos, corretoras, seguradoras e outras.

Os procedimentos incluem a identificação e verificação dos clientes (KYC), o registro e a comunicação de transações suspeitas às autoridades competentes e a manutenção de registros adequados.

Importância das leis no combate a crimes financeiros

Pode-se dizer que tanto a Lei nº 9.613/98 como a Lei Complementar nº 105/2001 são fundamentais para a Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo no Brasil, pois são permeadas por diretrizes e regulamentações que auxiliam na identificação, prevenção e repressão de atividades criminosas relacionadas à LD-FT.

Essas leis contribuem para que o Brasil busque a conformidade com as Recomendações do GAFI e para o fortalecimento das ferramentas de combate a crimes financeiros no país.

Sigilo bancário: proteção e limites

As instituições financeiras têm o dever de proteger as informações de seus clientes e só podem repassar informações financeiras com o consentimento expresso do cliente ou em casos específicos permitidos por lei.

Contudo, o sigilo bancário no Brasil não é absoluto e pode ser levantado em determinadas situações como investigações criminais fundadas em suspeitas de Lavagem de Dinheiro ou Financiamento ao Terrorismo.

Quando há evidências ou suspeitas fundamentadas de que uma pessoa ou entidade esteja envolvida em atividades criminosas relacionadas à LD-FT, as autoridades podem solicitar a quebra do sigilo bancário, permitindo que os investigadores de tais crimes tenham acesso às informações financeiras relevantes para a investigação.

Para que se quebre o sigilo, faz-se necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:

  1. Requisição judicial: no Brasil, o sigilo bancário só poderá ser quebrado mediante autorização judicial fundamentada. As autoridades judiciais envolvidas, como promotores, delegados de polícia ou auditores da Receita Federal, devem solicitar ao juiz a autorização para acessar as movimentações financeiras de uma pessoa ou entidade suspeita e o juiz irá avaliar se existem indícios suficientes que justifiquem a quebra.
  2. Notificação ao titular da conta: muitas vezes a pessoa cujo sigilo bancário será quebrado deve ser notificada sobre a solicitação, permitindo que seja contestada a decisão judicial, se assim entender adequado.
  3. Uso restrito das informações: as informações obtidas por meio da quebra do sigilo bancário devem ser usadas exclusivamente para fins relacionados à investigação em curso, isto é, é estritamente ilegal o compartilhamento indevido ou o uso das informações para fins não autorizados, podendo resultar em penalidades legais, caso não seja cumprido este requisito.

Órgãos responsáveis pelo sigilo bancário

Os órgãos responsáveis pelo dever legal de sigilo bancário, compreendem respectivamente:

●      Instituições Financeiras: bancos e demais instituições financeiras possuem a obrigação legal de manter e resguardar o sigilo bancário de seus clientes.

●      Autoridades de Fiscalização: órgãos reguladores, como o BACEN e a CVM, podem ter acesso a informações financeiras para fins de supervisão e fiscalização do sistema financeiro.

●  Autoridades de Investigação: Polícia, Ministério Público, membros do Poder Judiciário também podem solicitar e acessar através do sigilo bancário as informações que sejam de cunho relevante para investigações criminais, desde que atendam aos requisitos legais estabelecidos.

Boas práticas e diretrizes para conformidade com o GAFI

Importante ressaltar que, os países precisam ter a capacidade técnica e os recursos adequados para coletar, analisar e compartilhar informações financeiras de forma segura e eficiente para que sejam implementadas efetivamente as Recomendações do GAFI.

É comum instituições financeiras resistirem à divulgação de informações devido a preocupações com a confidencialidade e a reputação e, por isso, faz-se necessário que os países busquem legislar e regulamentar no sentido de incentivar a cooperação entre as instituições financeiras e estabeleçam medidas para proteger os denunciantes internos.

Algumas boas práticas e diretrizes que os países podem adotar para enfrentar esse desafio:

●  Fortalecimento das instituições reguladoras: é de suma importância que os países tenham instituições reguladoras sólidas e independentes para a devida supervisão das regulamentações e Recomendações do GAFI.

●   Avaliação Nacional de Risco : cada país deve realizar uma avaliação de risco nacional para identificar as principais ameaças relacionadas à LD-FT em seu território.

●  Estrutura de Combate à Lavagem de Dinheiro: contar com uma estrutura eficaz de combate à lavagem de dinheiro, que inclua autoridades de fiscalização, judiciárias e aplicação da lei é crucial para garantir a implementação das Recomendações, buscando sempre blindar os órgãos de interferências políticas.

Treinamento e conscientização: fornecer treinamento adequado a profissionais financeiros, funcionários de instituições reguladoras e autoridades é essencial para garantir a compreensão das obrigações legais e regulatórias no que diz respeito ao sigilo bancário e às medidas de combate à lavagem.

●      Cooperação Internacional: os países devem buscar a cooperação internacional na troca de informações financeiras relevantes para investigações de LD-FT, celebrando acordos de cooperação e uso de padrões internacionais reconhecidos.

●      Proteção de denunciantes: garantir mecanismos de proteção eficazes para denunciantes internos que venham a relatar atividades suspeitas é fundamental para incentivar a detecção de crimes financeiros;

●      Monitoramento e reporte de transações suspeitas: tornar obrigatório o monitoramento por parte de instituições financeiras com o devido relato de transações suspeitas.

●      Supervisão eficaz: devem ser conduzidas avaliações regulares por parte das autoridades reguladoras, visando garantir o cumprimento das recomendações.

●  Transparência e comunicação: promover a transparência nas operações financeiras e comunicação eficaz entre as partes interessadas, incluindo o setor financeiro, órgãos reguladores e autoridades de aplicação da lei.

Conclui-se, portanto, que para os países se adaptarem e entrarem em conformidade com as Recomendações do GAFI, geralmente precisam passar por um processo de revisão e reforma de suas leis de sigilo bancário, ao mesmo tempo em que preservem e protejam os direitos individuais e a privacidade de todos cidadãos. Essas boas práticas e diretrizes podem ajudar os países a encontrar esse equilíbrio e implementar de forma eficaz as medidas de combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo.

Autores

João Eduardo Malucelli

Curadoria IPLD

Advogado, formado pelo Centro Universitário Curitiba, pós-graduado em Direito Eleitoral pela PUC-MG e membro das Comissões de Anticorrupção e Compliance e, Direito Eleitoral da OAB Paraná.