01/03/2020

Principais mudanças introduzidas pela Carta Circular 4.001

01/03/2020


No dia 29/01/20 foi publicada pelo Banco Central a Carta Circular nº 4001, que divulga a relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes de lavagem de dinheiro, passíveis de comunicação ao COAF. Ela substitui a Carta Circular 3.542/12.

 

Mas afinal, o que mudou? Há novas situações passíveis de comunicações?

O objetivo deste texto é justamente tentar responder essas e outras dúvidas que sempre surgem quando uma nova norma é publicada, comparando a antiga e a nova norma.

Nos incisos I e II da 4.001 estão elencadas as situações relacionadas às transações em espécie. O que já chama atenção de imediato é que na nova norma são 23 alíneas, enquanto que na 3.542 eram 15 nesses dois incisos. Este aumento visa ampliar a cobertura de situações envolvendo transações em espécie. Uma das mudanças é a inclusão do termo ‘aporte’ de recursos em espécie em algumas alíneas do inciso I. O aporte neste caso refere-se à transferência de recursos em espécie para ‘contas pagamento’, bastante utilizada nos dias de hoje. Um exemplo dessa situação é o pagamento de boleto em espécie, que tenha como destino uma conta pagamento. A norma faz com que as empresas que administram esse tipo de serviço financeiro tenham a necessidade de monitorar essas situações.

Outra mudança é a inclusão da alínea que trata da fragmentação de saques em espécie. A Circular 3.542 tratava apenas da fragmentação de depósitos. Embora a fragmentação de saques já fosse passível de enquadrar em outras alíneas da norma anterior, a Circular 4.001 deixa bem claro essa situação como um indício de ocorrência de crime de lavagem de dinheiro.

A 4.001 também inova estabelecendo variáveis objetivas para enquadramento de situações suspeitas envolvendo transações em espécie. Quantidade de transações em uma janela específica de dias são encontradas nas alíneas k), l) e m) do inciso I. A norma anterior deixava a cargo dos agentes do sistema estabelecer tais parâmetros.

 

Já no inciso II da nova norma, uma das novidades é a alínea d), que trata de “negociações envolvendo taxas de câmbio com variação significativa em relação às praticadas pelo mercado”. Nos paira dúvida sobre o que o regulador quis alcançar com esta alínea, carecendo de um debate para aprofundar o entendimento. À primeira vista, nos parece que o regulador quis trazer à luz dos monitoramentos as negociações que ocorrem no mercado de câmbio paralelo.

No inciso III da Circular 4.001 estão as situações relacionadas com a identificação e qualificação de clientes. E um dos pontos mais interessantes vemos nas alíneas k) e l), que trata do registro do mesmo e-mail ou de Internet Protocol (IP) por pessoas físicas ou jurídicas em seus cadastros. No mundo super digital de hoje, era uma defasagem da norma anterior considerar apenas o mesmo endereço físico como uma situação suspeita. Também vale destacar neste inciso, a necessidade de confrontar informações e documentos apresentados pelo cliente com informações públicas disponíveis – alínea m), e a capacidade financeira do sócio contra o porte da empresa – alínea n).

Com relação as situações que dizem respeito à movimentação de contas, no texto do inciso IV notamos um direcionamento para o cenário atual de serviços financeiros, com a especificação e diferenciação de contas de depósito e contas de pagamento. Basicamente, todas situações relacionadas às contas de depósito tradicionais, quando aplicáveis, desdobram-se às contas pagamento. Nessa mesma linha, também foram incluídas alíneas específicas para situações relacionadas aos terminais de pagamento (Point of Sale – POS), as populares maquininhas. Recebimentos de valores relevantes no mesmo terminal de pagamento, que apresentem indícios de atipicidade ou de incompatibilidade com a capacidade financeira, ou com o perfil do estabelecimento comercial credenciado, são algumas das situações introduzidas pela 4.001. Além disso, temos situações envolvendo transações em horário considerado incompatível com a atividade do estabelecimento comercial credenciado, ou realizadas em localização geográfica distante do local de atuação do estabelecimento comercial credenciado. 

Avançando para o inciso IX da nova norma, que trata de situações relacionadas com financiamento ao terrorismo, foram incluídas 4 alíneas – e), f), g) e h) – que focam em pessoas ou entidades relacionadas à proliferação de armas de destruição em massa, inclusive citando a lista da CSNU (Conselho de Segurança das Nações Unidas). Embora o Brasil não seja um país com histórico de terrorismo, sendo mais ligado a atos de corrupção e lavagem de dinheiro, a nova norma exigirá ampliação dessa visão, onde as ferramentas de busca e as bases de dados terão papel fundamental para adequação dos monitoramentos.

Continuando o exercício, merece destaque o inciso XIV, que aborda situações relacionadas a campanhas eleitorais, pois este tópico não havia na Circular 3.542. As novas alíneas estabelecem situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes de lavagem de dinheiro, tais como: recebimento de doações, em contas (eleitorais ou não) de candidatos, de estreito colaborador, ou em contas de partidos políticos, de valores que desrespeitem as vedações ou extrapolem os limites definidos na legislação em vigor, inclusive mediante uso de terceiros e/ou de contas de terceiros; e transferências, a partir das contas de candidatos, para pessoas naturais ou jurídicas cuja atividade não guarde aparente relação com contas de campanha. Vale lembrar que ainda este ano teremos eleições municipais, oportunidade em que tais situações serão passíveis de monitoramento e eventual comunicação.

Também merece destaque o inciso XVII, que diz respeito as situações relacionadas com operações realizadas em municípios localizados em regiões de risco. Mesmo não sendo uma novidade da nova Circular, pois regiões de risco e fronteira já constavam em algumas alíneas da 3.542, note que ao criar um inciso específico para o tema, o legislador dá um caráter muito mais abrangente as situações, ou seja, não importando o tipo de operação, sendo ela considerada atípica e em região de risco, fronteira, ou extração mineral, são passíveis de monitoramento e seleção previstos na Circular nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020.

Outras questões não abordadas neste texto por possuírem maior complexidade, como estreito colaborador de PEP, merecem um debate mais profundo, mas em resumo, a Carta Circular 4.001 traz desafios aos agentes do Mercado Financeiro, tanto para aqueles que já possuem um monitoramento robusto, porém, devem revisitá-lo para incluir novas regras e ajustar as existentes, quanto para aqueles que precisam construir tal monitoramento. A abrangência da norma também demonstra aprendizado com novas tipologias identificadas nos últimos anos, e com a necessidade de se adequar aos novos produtos e serviços financeiros oferecidos aos clientes.

 

Autor

Renato Costa Machado

Especialista em Prevenção à Lavagem de Dinheiro certificado pela ACAMS. Formado em Direito, com Pós-Graduação em Administração de Empresas pela FGV, e cursando MBA em BI & Analytics pela FIAP. 5 anos de experiência em PLD, passando pela área de Controles Internos e Compliance, e atualmente como Coordenador de MIS num dos maiores bancos de varejo do país.