Entrevista com o especialista Jorge Lasmar A terceira Plenária do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) sob a presidência de T. Raja Kumar, de Cingapura, foi concluída. Delegados de mais de 200 jurisdições da Rede Global e observadores de organizações internacionais participaram dessas discussões na sede do GAFI em Paris. A luta contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas exige uma resposta global. Por esse motivo, é crucial que todos os países da Rede Global tomem medidas coletivas para lidar com esses riscos. Essas questões importantes foram discutidas na Reunião Anual de Alto Nível do GAFI FSRB, que precedeu a reunião plenária. Em outubro de 2021, o GAFI concluiu sua primeira fase de levantamento e análise de consequências não intencionais e decidiu realizar vários fluxos de trabalho substantivo adicional, incluindo o potencial desenvolvimento de políticas, nos grupos de trabalho relevantes. Nessa Plenária, os delegados discutiram o progresso desse trabalho, incluindo possíveis revisões da Recomendação 8, que visa proteger as organizações sem fins lucrativos de possíveis abusos do financiamento do terrorismo. Poderia explicar como essas revisões vão abordar o problema da aplicação excessiva de medidas preventivas às organizações sem fins lucrativos? Reconhecendo o impacto negativo que isso pode ter nas atividades legítimas dessas organizações. O GAFI abriu um período de consultas públicas para modificar o texto da recomendação 8 e suas notas interpretativas (R.8/INR.8). As mudanças visam melhorar e mitigar possíveis efeitos negativos que a implementação das medidas de proteção das organizações sem fins lucrativos contra possíveis abusos do financiamento do terrorismo pelos países podem causar. Segundo o GAFI, a recomendação 8 se aplica a “pessoas jurídicas ou arranjos ou organizações que primariamente se engajam no levantamento ou distribuição de fundos para causas, tais como caridade, religião, cultura, educação, social ou fraternal ou para fazer outros tipos de ‘bons trabalhos’”. Já o abuso do financiamento do terrorismo diz respeito à “exploração por terroristas e organizações terroristas de entidades sem fins lucrativos para levantar ou mover fundos, prover apoio logístico, encorajar ou facilitar o recrutamento terrorista, ou apoiar de outra maneira terroristas ou organizações terroristas e operações.” A revisão se dá porque o GAFI reconhece que, ao ter incluído no texto da nota interpretativa à recomendação 8 (para. 7(b)(iii)) exemplos de medidas que os países podem adotar para mitigar o risco de financiamento do terrorismo através do abuso de ONGs (Organizações Não Governamentais), alguns países entenderam que todos os exemplos enumerados eram medidas obrigatórias, que as jurisdições deveriam implementar. Isso levou a um problema de excesso de aplicação de medidas preventivas nessas jurisdições, que consequentemente pode potencialmente impactar negativamente a atividade das ONGs legítimas. Desta forma, o GAFI está considerando se: 1) mantém os exemplos no corpo da nota interpretativa; 2) desloca esses exemplos para um pé de página de maneira integral; 3) desloca esses exemplos para um pé de página de maneira resumida; 4) retira completamente os exemplos e os divulgam em um paper específico sobre melhores práticas no assunto. Foi discutida também uma atualização do documento de melhores práticas do GAFI sobre o combate ao abuso de organizações sem fins lucrativos. Poderia comentar mais sobre essa atualização? Além das revisões acima, a plenária do GAFI decidiu em paralelo rever e atualizar o seu documento sobre as melhores práticas no combate ao abuso das organizações sem fins lucrativos (FATF Best Practice Paper to Combat the Abuse of NPOs – BPP). Além do trabalho interno de revisão, o GAFI também abriu um período de consultas públicas sobre o assunto. Os principais pontos a serem discutidos e revistos segundo o próprio GAFI são: A mitigação do risco de Financiamento ao Terrorismo no nível individual de uma ONG (seção 3.2 e Anexo B do BPP); A implementação de instrumentos de boa governança no nível individual das ONGs para atender aos objetivos da R.8 (seção 3.4 e Anexo B do BPP); Iniciativas das instituições financeiras para garantir o acesso de ONGs legítimas a serviços financeiros, incluindo medidas de mitigação baseadas em risco (seção 4.2 e Anexo C do BPP); Iniciativas de ONGs e doadores para garantir o acesso das ONGs legítimas a serviços financeiros (seção 4.3 e Anexo C do BPP); e Exemplos de má aplicação da R.8, para identificar práticas evitáveis e para ajudar países, instituições financeiras e organizações sem fins lucrativos a implementarem corretamente a abordagem baseada em risco. Além disso, o documento em revisão aborda os seguintes assuntos: como os Estados podem combater o abuso do financiamento do terrorismo em organizações sem fins lucrativos; como essas organizações podem se proteger desses abusos e como as instituições financeiras e as entidades sem fins lucrativos legítimas podem garantir o acesso aos serviços financeiros e evitar o de-risking. As sugestões de mudanças e melhorias serão devidamente analisadas, discutidas e consideradas na plenária do GAFI em outubro de 2023. É importante ressaltar que desde fevereiro de 2021, o GAFI vem trabalhando para identificar, analisar e mitigar as consequências negativas não intencionais da adoção dos seus 40 pontos pelos países. A revisão da recomendação 8, da sua nota interpretativa e do Paper de Melhores Práticas, devem ser entendidos dentro desse esforço mais amplo. As organizações sem fins lucrativos legítimas, como as ONGs, desempenham um importante trabalho humanitário que deve ser estimulado. Por um lado, sem dúvidas, é preciso entender as vulnerabilidades organizacionais e setoriais dessas entidades para mitigar os possíveis abusos de Financiamento ao Terrorismo (FT) que podem vir a sofrer. Por outro lado, é essencial que as organizações sem fins lucrativos legítimas tenham acesso ao sistema financeiro para darem continuidade ao seu importante trabalho. A questão, portanto, é como encontrar esse ponto de equilíbrio adotando medidas que sejam condizentes com a análise baseada em risco específico de cada país, instituição financeira e organização sem fins lucrativos individualmente consideradas. Ou seja, as medidas devem ser focadas e proporcionais, evitando-se soluções únicas do tipo “um tamanho serve para todos”. Mas para que isso seja possível, é necessário abordar o fornecimento de assistência financeira e técnica aos países que se voluntariam a receber os deslocados e refugiados, especialmente porque são os países de baixa e média renda que recebem essa população. Para além disso, o treinamento específico dos controles de fronteira e disponibilidade de vistos e sanções aos transportadores que conduzem as pessoas sem as condições necessárias, para tanto, também são medidas que visam o atingimento da solução de longo prazo. Lasmar, poderia fazer um breve resumo sobre o Terrorismo no Brasil? Se nos últimos anos foram detectadas alterações de comportamentos em ações terroristas no país? E se é possível descrever diferenças entre ações terroristas ocorridas na América Latina e na Europa? Esse é um tema delicado que possui diversas considerações. Por exemplo, é importante frisar que o risco de Financiamento do Terrorismo é diferente do risco de um ataque terrorista. Também é um assunto que precisa ser tratado de forma séria e sem alarmismos. Dito isso, temos sim visto alterações no comportamento de ações terroristas no mundo como um todo e é sim possível observar diferenças no modus operandi de terroristas e grupos terroristas na América Latina, quando comparados àqueles da Europa. Isso é normal já que os grupos terroristas são muito ágeis ao adaptar e explorar mudanças no seu ambiente operacional. Esses grupos atuam transnacionalmente e são hábeis em se adaptar a novas tecnologias, identificar e explorar falhas nos sistemas de segurança dos países e vulnerabilidades nos sistemas de PLD-FT. Por isso, é importante estar sempre atento e atualizado sobre as nuances do assunto. As análises baseadas em risco devem incorporar a revisão constante de suas avaliações sobre as vulnerabilidades setoriais, operacionais, geográficas e organizacionais envolvidas. Questões como o uso dos diversos canais e tecnologias para o FT ou o impacto de como diferentes ideologias extremistas empregam diferentes métodos de FT estão sempre mudando e em constante evolução. Por fim, casos como a recente prisão de um brasileiro tentando se juntar ao Estado Islâmico no aeroporto de Guarulhos, em junho deste ano, demonstram que o assunto continua atual e relevante no Brasil. E a Plenária do GAFI que terá o Brasil como um dos temas, em outubro, qual sua expectativa? A Plenária do GAFI em outubro está sendo bastante aguardada, com muita expectativa por aqui. Espera-se que o rascunho dos resultados da avaliação mútua do Brasil seja discutido nesta plenária. Essa discussão é importante porque dará os subsídios para os ajustes e redação final do relatório da avaliação. Independentemente de qual seja o resultado, a avaliação nacional de risco traz uma radiografia detalhada do nosso sistema de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de estruição em Massa. É a primeira vez que o Brasil é avaliado com base na nova metodologia que inclui não apenas o compliance técnico das 40 recomendações, mas também um estudo sobre a efetividade do nosso sistema. Certamente, o relatório trará importantes insights para o aperfeiçoamento e maior fortalecimento do nosso sistema de PLD-FTP. Autor: Conteúdo IPLD Jorge Lasmar Membro do Conselho Consultivo do IPLD. PhD pela London School of Economics and Political Science (LSE) e Especialista em Combate ao Financiamento do Terrorismo.