19/02/2020 atualizado em : 19/02/2020

Ocultação de recursos dentro de estruturas empresariais controlados por organização criminosa

19/02/2020 atualizado em : 19/02/2020

Por Manuel Fletes

O crime de lavagem de dinheiro pode envolver múltiplas operações financeiras e comerciais. Um dos recursos utilizados para transformar o dinheiro ilícito em lícito é o uso das estruturas empresariais por meio de empresas de fachada ou empresas fictícias. 

As empresas de fachadas são organizações legalmente ativas e que executam algum tipo de operação comercial. Já as empresas fictícias estão constituídas apenas no papel e não têm nenhuma atividade econômica. 

O esquema de lavagem de dinheiro envolve milhões em todo o mundo. Para funcionar, necessita de uma estruturação complexa para dissimular tanto a origem e quanto o destino dos recursos. Pode ocorrer envolvendo apenas uma ou mais empresas de fachada ou fictícia e em diversos países. 

A empresa pode estar envolvida em parte ou nas três etapas em que a lavagem de dinheiro ocorre: colocação, ocultação ou integração. A utilização das estruturas empresariais é facilitada por conta de algumas características do setor: 

  • – Controle da empresa: o criminoso tem o controle da estrutura empresarial e, por isso, não levanta suspeitas, evitando as denúncias para as autoridades;
  • – Volume transacional: é esperado que uma empresa tenha flutuações transacionais. Além disso, a depender de seu ramo de atuação, a movimentação de recursos em espécie pode ser considerada normal e não despertar questionamentos.
  • – Sócio oculto: os vínculos entre os criminosos e a empresa podem ser ocultados pelos estatutos sociais das empresas, uma vez que o nome do fraudador não precisa constar do contrato social. Esta é uma das principais dificuldades das instituições financeiras, que têm maior dificuldades em detectar o beneficiário final e os reais controladores da empresa.

Diversas operações na empresa são utilizadas para viabilizar o crime de lavagem de dinheiro. Entre elas estão: emissão de documentação falsa, faturamentos fraudulentos, o pagamentos por serviços ou consultorias não realizadas, entre outros. 

Uma das operações possíveis, porém pouco divulgadas, envolve o uso do processo de importação/exportação pelas empresas. Nesta modalidade, a organização criminosa emite uma fatura de compra ou de venda em um valor superior ao efetivamente realizado. 

 

Por exemplo: uma empresa brasileira quer vender uma quantidade X de produtos para outra empresa, localizada em outro país. Porém, ao ser iniciado o processo de exportação, é enviado apenas ⅓ da quantidade indicada na fatura. A empresa, no entanto, recebe o valor integral indicado no documento. 

 

Este tipo de operação acoberta a origem dos recursos, que podem ser provenientes de diversas fontes criminosas, tais como o tráfico de drogas, de corrupção ou contrabando. Questões burocráticas ou administrativas facilitam o uso deste meio para a lavagem de dinheiro. 

Um exemplo é o envio de recursos via câmbio entre países, que é uma operação rápida e, na maioria das vezes, não chama a atenção dos reguladores locais. Na situação de uso de navio cargueiro, a empresa de transporte não necessariamente tem ciência da fraude e, muitas vezes, as inspeções são feitas no próprio porto e por pessoas envolvidas no esquema. 

No Brasil, podemos dizer que a movimentação de bilhões de reais envolvendo políticos, como na Operação Lava Jato, ocorreu com o envolvimento de estruturas empresariais como construtoras, empresas estatais, refinarias, empresas de fachada ou empresas de comunicação.

Todas as Instituições financeiras estão sujeitas a realizar a abertura e manter contas de empresas com propósitos irregulares. Uma boa prática para reduzir o risco é realização de visitas periódicas, além destes pontos importantes:

  • – Avaliação do porte físico da empresa;
  • – Número de funcionários;
  • – Dados de identificação do cliente;
  • – Descrição sobre a situação financeira do cliente;
  • – Relato das atividades profissionais no Brasil e no Exterior;
  • – Relato das atividades profissionais da família do cliente;
  • – Relato da capacidade financeira presumível do cliente;
  • – Descrição sobre o relacionamento do responsável da conta;
  • – Descrição de como foi a prospecção do cliente;
  • – Relato das demais instituições financeiras utilizadas pelo cliente;
  • – Situação patrimonial presumida;
  • – Quantificar o % da posição patrimonial do cliente;
  • – Declaração do responsável da conta;
  • – Declaração do responsável da conta afirmando ter visitado e conhecido o cliente e que está confortável com sua reputação.

 

Além disso, é importante considerar o tempo de constituição de uma empresa que não possui prestígio no mercado e deseja realizar operações consideradas de maior risco. Neste sentido, é importante realizar uma Abordagem Baseada em Risco, determinada pela diretoria de Compliance/PLD.

Uma questão inegável é que a sofisticação e o contínuo aprimoramento dos esquemas criminosos investigados exigem a adoção de técnicas de monitoramento ainda mais criativas e  adequadas, capazes de fazer frente ao poderio econômico-financeiro da criminalidade moderna.

 

 

 

Autor

Manuel Bermejo Fletes

Formado em Administração de Empresas, com MBA em Gestão Estratégica de Negócios e Especialização em Compliance como ferramenta de Gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Profissional com mais de oito anos de experiência na área financeira, coordenando equipes e projetos em instituições nacionais e internacionais. Hoje é Coordenador da área de Monitoramento de Operações de PLD/FT.