12/06/2020 Atualizado em : 22/11/2023

O Regime das Sanções Financeiras Internacionais

12/06/2020 Atualizado em : 22/11/2023

Os atentados terroristas de 11 de setembro despertaram a necessidade de se prevenir e combater globalmente o financiamento do terrorismo. De fato, o primeiro passo da Guerra Global Contra o Terror engajada pelos Estados Unidos começou com uma ordem executiva para congelar ativos terroristas. Essa ordem foi expedida semanas antes de as ações militares começarem. Em pouco tempo, outras ações internacionais de combate ao financiamento do terrorismo foram sendo adotadas, como resoluções do Conselho de Segurança e a expansão das atividades do GAFI. Segundo o então presidente George Bush “o primeiro tiro na guerra foi quando começamos a cortar o dinheiro deles, porque uma organização como a Al-Qaeda não pode funcionar sem dinheiro”.

 

De lá para cá, houve uma grande evolução das práticas de prevenção e combate ao financiamento do terrorismo. Diversos sistemas de sanção foram criados para inibir essa prática, seguidos por uma verdadeira proliferação de legislações nacionais e internacionais sobre o assunto. Contudo, se por um lado essa evolução representa um considerável avanço para o combate ao financiamento do terrorismo, por outro esse processo trouxe uma série de desafios para as instituições financeiras.

 

As instituições financeiras atuam na ponta desse processo ajudando na prevenção ao financiamento do terrorismo através do monitoramento de seus clientes e transações. Ponto-chave nesse processo são as chamadas listas restritivas. Essas listas visam proibir, restringir ou constranger transações financeiras, comerciais, de serviço ou de tecnologia envolvendo os setores ou pessoas alvo podendo incluir o congelamento de bens e ativos de um indivíduo ou entidade.

 

Existem diversas listas restritivas internacionais (exemplo, listas consolidadas e do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou as listas da União Europeia) e nacionais (exemplo a lista da OFAC, nos Estados Unidos; HM Treasury Sanctions no Reino Unido; DFAT na Austrália). As diferentes listas restritivas podem conter nomes de pessoas e entidades sancionadas por supostamente terem ligação com o terrorismo ou proliferação nuclear; a designação de setores, atividades e tipos de transação que são proibidos, ou; ou listar países que se encontram sob sanções.

 

O número de listas restritivas, bem como a descrição das atividades sancionadas não para de aumentar. Em muitos casos, diferentes listas nacionais possuem requisitos divergentes e exigem a adoção de diferentes procedimentos. Da mesma maneira, as listas ainda apresentam dificuldades como erros na transliteração de nomes que não usam nosso alfabeto, a inclusão de nomes indevidos ou casos envolvendo homônimos. E o processo de conferência das listas não deve ocorrer apenas nos procedimentos de onboarding: as transações e terceiros relacionados (tais como fornecedores, destinatários, representantes, intermediários, fontes pagadoras, etc) também devem ser constantemente monitorados. Essa complexidade tem criado um verdadeiro labirinto de normas e procedimentos que devem ser adotados por um número crescente de instituições financeiras. Cada vez mais, exige-se a adoção de procedimentos dinâmicos de compliance integrando pessoas, processos e tecnologias para se evitar os riscos legais e, principalmente, reputacionais relacionados.

 

Por fim, a realidade das sanções internacionais pode parecer algo distante do dia a dia de pessoas, empresas ou instituições de países que não convivem diretamente com ações terroristas. Porém, tanto o financiamento do terrorismo quanto o seu combate ocorrem globalmente. Além da obrigatoriedade de se seguir a legislação internacional, em diversas situações, as instituições financeiras se veem obrigadas a seguir legislações nacionais de outros países. Isso porque os procedimentos de sanções buscam atuar de forma sistêmica e global para atingir toda a rede de financiamento.

 

Assim, várias legislações domésticas sobre sanções de combate ao financiamento do terrorismo possuem efeitos extraterritoriais: uma empresa brasileira que tenha relações comerciais com empresas estadunidenses pode vir a ser punida com as pesadas multas e penalidades daquela legislação, mesmo operando dentro do Brasil e com um país que não os Estados Unidos.

 

Nesse exemplo, a instituição pode, inclusive, passar a fazer parte da lista restritiva estadunidense. É nesse contexto que, há alguns anos, a empresa brasileira Embraer foi impedida de vender peças de avião para a Venezuela e Irã por conta do bloqueio realizado pelos Estados Unidos a esses países. De fato, caso a venda se consolidasse, a Embraer poderia passar a integrar a lista restritiva da OFAC. Se isso viesse a ocorrer, a Embraer seria impedida de atuar dentro dos Estados Unidos.

 

Seus fornecedores e colaboradores estadunidenses também seriam proibidos de lhe vender peças ou prestar serviços. De fato, nesse exemplo, a inclusão na lista restritiva atingiria inclusive qualquer outro colaborador da Embraer em qualquer outro país. Isso porque a continuidade do relacionamento com a Embraer também os colocaria em violação do regime de sanções e os sujeitaria às sanções e impedimentos de negociar com empresas ou cidadãos estadunidenses (aqui).

A título de exemplo, seguem algumas listas restritivas:

– Cadastro das Empresas Idôneas e Suspeitas: uma lista brasileira que apresenta a relação de empresas e pessoas físicas que sofreram sanções que implicaram na restrição de participação de licitações ou de celebração de contratos com a Administração Pública. 
– Lista da ONU: lista das sanções aos países relacionados ao terrorismo.
– Lista OFAC (Office of Foreign Assets Control): do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que administra e aplica sanções econômicas e comerciais contra empresas e países relacionados ao tráfico de drogas, terrorismo, proliferação de armas de destruição de massa e outras ameaças à segurança ou economia americana. 
– Lista União Europeia (European Union Consolidated List): relação de pessoas, grupos ou organizações que estão sujeitas a sanções pelos países integrantes da União Europeia.

Autor: Jorge M. Lasmar, PhD

Ph.D. pela London School of Economics and Political Science (LSE) e Especialista em Combate ao Financiamento do Terrorismo