Imagem: Criativo IPLD A ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou recentemente um relatório que revela um cenário alarmante: 90% dos entrevistados em todo o mundo demonstraram algum tipo de preconceito contra as mulheres. Esse levantamento sobre preconceito de gênero ressalta a necessidade urgente de abordar essa questão em escala global. Para discutir esse tema e outros pontos relevantes levantados pelo relatório da ONU, tivemos a oportunidade de entrevistar a advogada Wanessa Assunção Ramos. Wanessa é Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas, além de ser Doutoranda em Direito. Além do preconceito de gênero, a entrevista também tratou de outros tópicos relevantes, como o perigo do aquecimento global e a situação dos refugiados em tempos de guerra. Confira! A ONU divulgou em seu relatório um levantamento sobre preconceito de gênero em todo mundo e mostra um quadro desolador: 90% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito contra as mulheres. O relatório, chamado Índice de Normas Sociais de Gênero, abrange 85% da população mundial e revela que não houve avanço no nível de preconceito contra as mulheres na última década. Wanessa, com essa estatística ainda tão impressionante, o que acredita ser possível para que esse preconceito com as mulheres possa ser amenizado no futuro? O problema socioambiental da violência de gênero assola a sociedade há muito tempo. Há diversas tentativas jurídicas de soluções, como por exemplo, os tratados internacionais e as normas internacionais não-vinculativas. Sobre os tratados internacionais, cita-se, de forma exemplificativa, no Sistema Global, a adoção em 1979 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e em 1995 a Declaração e Plataforma e Ação de Pequim. Para além disso, com relação ao Sistema Interamericano, que abrange de forma específica o Brasil, em 1994 houve a adoção da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida popularmente como Convenção de Belém do Pará. Acerca das normas internacionais não-vinculativas, nos anos 2000 houve o lançamento pela Organização das Nações Unidas do Pacto Global, tendo como foco as empresas e como temas direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção. No mesmo ano, houve o lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), com foco nos Estado, e tendo como uma das metas a promoção da igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres. A partir de uma análise dos ODM, em 2015 houve o lançamento da Agenda 2030, que é um plano de ação composto por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas. Dentre os ODS, destaca-se o número 5, que trata do alcance da igualdade de gênero e do empoderamento de todas as mulheres e meninas, tendo metas como a eliminação da discriminação, violência, práticas nocivas, valorização do trabalho usualmente realizado pelas meninas e mulheres, igualdade de oportunidades e acesso aos recursos econômicos, entre outras. Contudo, mesmo com todos esses esforços, percebe-se a ausência de mudanças significativas na sociedade de modo geral. E isso ocorre porque a fundação de grande parte das sociedades é patriarcal, machista e misógina. E, é por essa razão que não bastam soluções jurídicas. Acredita-se, dessa forma, que há três caminhos, os quais devem ser seguidos de forma concomitante: O primeiro deles é o investimento na educação formal, especialmente com a perspectiva de gênero e interseccionalidade, isto é, aprendizado sobre as questões inerentes ao gênero feminino, classe e raça. O segundo é dar a oportunidade de ter uma efetiva representatividade política feminina e feminista. Destaca-se, nesse ponto, que em grande parte do mundo, os políticos representam os tomadores de decisão nos Poderes Executivos e Legislativos. E a ausência de mulheres, preocupadas com as questões femininas, faz com que os problemas públicos desse tema não ingressam na agenda pública e sejam objetos de deliberação ou, quando com muita sorte ingressam na pauta pública, as soluções encontradas não são favoráveis porque não escutam os especialistas ou as beneficiárias das políticas públicas desenvolvidas. O terceiro é dar oportunidade de ter uma efetiva representatividade feminina no setor privado. Nesse ponto, em que pese não ser unânime tal posicionamento, acredita-se que a inserção das mulheres no mercado de trabalho, especialmente daquelas que não se enquadram no padrão, como as transgênero, pode proporcionar maior dignidade e a busca pelos direitos que não são respeitados pela sociedade em geral. Segundo o relatório, o número de pessoas deslocadas à força no mundo atingiu a marca recorde de 110 milhões. A guerra entre Ucrânia e Rússia e os conflitos no Sudão contribuíram para a marca histórica. Dentro das Sanções Internacionais em Caso de Guerra (painel debatido no 5º Congresso Internacional do IPLD), o que poderia ser feito para amenizar esse problema social e econômico no mundo? Quais regras e leis que podem ser utilizadas nessa situação? Pessoas deslocadas à força são aquelas que são obrigadas a deixar os seus países de origem ou de residência em razão de ameaça e/ou conflito armado ou de violações de direitos humanos. Para proteção e tratamento dessas pessoas, pode-se mencionar a Convenção e o Protocolo dos Refugiados, a Convenção de Genebra, ambos no âmbito global, e a Declaração de Cartagena, no âmbito interamericano. As demandas têm aumentado significativamente, especialmente ante aos novos conflitos, e, de forma contrária, os países mais ricos e considerados mais desenvolvidos têm fechado suas fronteiras. E, por essa razão, é mais importante do que nunca o engajamento contínuo entre setores públicos e privados e entre os Estados para o acolhimento dessa população. Esse engajamento é demonstrado pelos Pactos Global para Refugiados e para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, os quais o Brasil retornou neste ano de 2023. Outrossim, importante mencionar os Princípios Orientadores sobre Deslocamento Interno, que possuem como pilares a proteção contra o deslocamento arbitrário, acesso à proteção e assistência durante o deslocamento e garantias durante o retorno ou assentamento alternativo e reintegração Para tanto, a solução duradoura perpassa por uma pessoa deve poder viver com segurança, ser tratada de forma igual perante a lei, ter um status formal e estar sujeita aos mesmos direitos e responsabilidades de outras pessoas da comunidade, sem discriminação. Tais características podem ser encontradas no retorno voluntário, reassentamento, integração local. Mas para que isso seja possível, é necessário abordar o fornecimento de assistência financeira e técnica aos países que se voluntariam a receber os deslocados e refugiados, especialmente porque são os países de baixa e média renda que recebem essa população. Para além disso, o treinamento específico dos controles de fronteira e disponibilidade de vistos e sanções aos transportadores que conduzem as pessoas sem as condições necessárias, para tanto, também são medidas que visam o atingimento da solução de longo prazo. Ainda no relatório da ONU, foi colocado que há pouquíssima chance de evitar que o mundo aqueça mais de 1,5 °C. Os governos haviam concordado anteriormente em agir para evitar isso. Porém, o mundo já aqueceu 1,1 °C, e agora os especialistas dizem que é provável que ultrapasse 1,5 °C ainda na década de 2030, apesar de todos os discursos políticos. Baseado nessa previsão, como a cultura ESG nas empresas pode ajudar nesse combate ao aquecimento global? Os governos que não estiverem atuando de forma correta poderão estar cometendo um crime ambiental? Com a globalização, houve o surgimento de novos stakeholders. Antes, somente os Estados influenciavam na produção legislativa e nas decisões que eram tomadas, especialmente em nível internacional. Contudo, especialmente a partir da década de 90, grandes empresas, que possuem grande poder econômico, muitas vezes superior a alguns Estados, influenciam diretamente em todas as decisões que são tomadas, incluindo no âmbito internacional. Nessa esteira, a influência de princípios conectados à cultura de ESG (Environmental, Social and Governance), especialmente no âmbito ambiental e social, é de extrema observância pelas empresas. No mesmo sentido, destaca-se a importância da adoção dos Princípios Orientadores das Nações Unidas para Empresas e Direitos Humanos, os quais são baseados em três pilares: a obrigação dos Estados em proteger os direitos humanos, a responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos e a necessidade de que existam recursos adequados e eficazes de reparação em caso de descumprimento dos direitos humanos pelas empresas. Isso porque as empresas podem auxiliar: (i) na redução dos danos em face da natureza e das pessoas, como com a redução de emissão de gases poluentes, aumento da eficiência energética, direcionamento correto dos resíduos, entre outros; (ii) a regeneração dos setores produtivos; e (iii) a possibilidade de financiamento de pautas de sustentabilidade e desenvolvimento social. Segundo o Relatório do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), as empresas brasileiras afirmam que suas operações podem ser afetadas pelas mudanças climáticas e é por essa razão que as empresas devem se preocupar em se adequar às novas necessidades. Sobre a possibilidade de os governos cometerem crime ambiental, esclarece-se que crime é uma conduta típica, ilícita e culpável, isto é, considera-se como crime uma ação ou omissão definida como proibida na lei (típica) que, quando cometida, viole o Direito (ilícita), e cuja pessoa que a praticou possa ser responsabilizada (culpável). Para além disso, para que uma conduta seja considerada como determinado crime, todos os elementos descritos na lei devem estar presentes no ato da pessoa. Hoje, no Brasil, é a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que pune os crimes ambientais. O artigo 2º da referida normativa afirma que “quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade (…)”. Contudo, acredita-se que teríamos que partir para uma “ginástica jurídica” para conseguirmos aplicar esse conceito a eventuais governantes, especialmente porque seria bastante complexo a comprovação do nexo causal que o dano ambiental ocorreu por conta das decisões tomadas pelo agente político. Contudo, destaca-se que é possível, a partir de alguns quesitos, a imputação de improbidade administrativa aos agentes públicos. Autor: Conteúdo IPLD Entrevistada: Wanessa Assunção Ramos Doutoranda em Direito pela PUCPR. Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas e Graduada em Direito pela PUCPR. Professora da PUCPR. Coordenadora do Grupo de Estudos Avançados em Perspectivas de Gênero e Interseccionalidades no Crime do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Membra relatora da Comissão da Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná. Advogada Criminalista.