A Faixa de Gaza vive em uma situação econômica bastante precária já há muito tempo. A região, que possui uma população em torno de 2 milhões de habitantes, tem uma área equivalente a 25% da cidade de São Paulo, sendo uma dos locais mais densamente povoados do mundo. A área é completamente cercada por uma barreira com 7 pontos de passagem controlados por Israel e pelo Egito. Desde 2006, a área sofre de um forte bloqueio por parte do Egito e Israel, que tem restringido a entrada e saída de bens e pessoas. Como resultado, a região vive uma séria situação de crise humanitária. Praticamente metade da população de palestinos de Gaza precisam da ajuda internacional diariamente para sobreviver. A entrada e distribuição da ajuda internacional em Gaza depende de permissão de Israel e atinge a população através de ações da Autoridade Palestina, das agências da ONU (Organização das Nações Unidas) ou do próprio Hamas. Além disso, o Hamas (ou o seu braço armado em alguns casos) é designado como uma entidade terrorista por vários países. Assim, o grupo não pode receber assistência oficial dos Estados Unidos e da União Europeia que apoiam a OLP (Organização para Libertação da Palestina) na Cisjordânia. Nesse contexto, como o Hamas gera a sua receita? Uma das formas com que a região sobrevive é através de túneis que são cavados até o Egito. Por esses túneis, suprimentos essenciais, mercadorias, armas e dinheiro chegam até Gaza. Toda a mercadoria que entra dessa maneira na área é tributada pelo Hamas e se tornou uma importante fonte de renda. No entanto, o presidente Abdel Fatah al-Sisi do Egito, se opôs ao Hamas e, a partir de 2013, vários túneis foram fechados. Estima-se que até 2021, o Hamas arrecadava em torno de US$ 12 milhões por mês em impostos sobre as importações egípcias que passaram por esses túneis. Outra fonte de financiamento é por meio da ajuda financeira de alguns estados. Há a suspeita de que o Irã – que é um grande apoiador do Hamas – vem contribuindo com fundos, armas e treinamento para o Hamas. Embora tenha havido uma desavença entre o Irã e o Hamas devido ao envolvimento em lados opostos na guerra civil da Síria, estima-se que o Irã forneça atualmente em torno de US$ 100 milhões anualmente ao Hamas, PIJ (Palestinian Islamic Jihad) e outros grupos terroristas palestinos designados pelos EUA. Suspeita-se que outros países como a Turquia e o Qatar também tenhamapoiado o Hamas financeiramente ou com outras formas de assistência. Também há a ajuda privada. Palestinos expatriados e doadores privados em diversos países enviam ativos ao Hamas com algumas organizações no Ocidente atuando para redirecionar os ativos para grupos de serviços sociais apoiados pelo grupo. Em vários casos, as entidades ou pessoas, bem como as instituições financeiras envolvidas nessas transferências, acabam por sofrer a aplicação de sanções e ações de congelamento de ativos por parte do Tesouro dos EUA ou dos países da União Europeia. O papel dos criptoativos no Financiamento do Terrorismo Um outro importante ponto de atenção é o uso de criptoativos. Apesar do uso de criptomoedas e outros ativos virtuais para arrecadação de fundos e outras atividades de financiamento do terrorismo ainda ser relativamente baixo em comparação com os meios tradicionais, as criptomoedas têm sido um recurso crescentemente utilizado para o financiamento de entidades e países sancionados. Assim, espera-se que o interesse do Hamas pela utilização de criptoativos para o seu financiamento aumente nos próximos dias e meses. De fato, o Hamas foi uma das primeiras organizações designadas como terroristas a usarem criptoativos. Desde 2019, o braço militar do Hamas Izz-Al Din-Al Qassam Brigades tem lançado campanhas de financiamento de suas atividades militares com o uso de criptoativos. O Hamas testou solicitar Bitcoins através do Telegram e diretamente em seu site alqassam.net. De lá para cá os EUA anunciaram o congelamento de 150 contas ligadas a pelo menos três grandes campanhas globais de financiamento das Izz-Al Din-Al Qassam Brigades. As campanhas se utilizaram de ciber-ferramentas sofisticadas. As autoridades de Israel também já fecharam dezenas de endereços de criptoativos ligados ao Hamas com um volume de dezenas de milhares de Dólares. As apreensões têm demonstrado uma crescente sofisticação técnica, com o uso de vários canais, chains e criptoativos diferentes para evitar a detecção. Atualmente, o grupo tem preferido o uso de canais de pagamentos em seus websites ao invés do compartilhamento de endereços de criptoativos. Segundo a TRM Labs, desde o início das atividades, o grupo GAZANOW – que apoia ativamente o Hamas – tem solicitado doações em um endereço de criptoativos. O endereço já recebeu em torno de US$ 5 mil desde os ataques de sábado. Desde então o grupo passou a contactar seus apoiadores através de mensagens diretas pelo Instagram, que interrompeu a campanha. Outras campanhas como “Tofan al-Aqsa” tem solicitado doações via X (antigo Twitter). As campanhas até agora têm obtido poucos recursos, mas levantam um sinal de alerta. Israel anunciou em 10 de outubro o congelamento de contas de criptoativos pertencentes ao Hamas. Outros grupos que apoiam o ataque a Israel também têm lançado campanhas de financiamento através de criptoativos. Mais de 40 endereços de USDT (stablecoin) na rede TRON ligados ao Hezbollah foram alvo de operações do National Bureau for Counter Terror Financing (NBCTF) atingindo cifras na casa dos milhões de dólares. Os endereços estão ligados a entidades e exchanges no Iraque, Síria e na Faixa de Gaza. Essa é uma técnica igualmente utilizada por outros grupos como a Palestinian Islamic Jihad (PIJ) que inclusive declarou sua participação na tomada de reféns em Israel. Por isso, é essencial que as unidades de inteligência financeiras compartilhem com o setor privado os indicadores de risco, tipologias, detalhamento e listas das contas envolvidas bem como dos redflags associados às atividades de financiamento do terrorismo pelo HAMAS. É ainda mais importante que o setor privado esteja atento ao monitoramento de suas transações para se prevenir o financiamento do terrorismo. Fontes: TRM Labs: https://www.trmlabs.com/post/in-wake-of-attack-on-israel-understanding-how-hamas-uses-crypto Council on Foreign Relations: https://www.cfr.org/backgrounder/what-hamas Autor: Jorge Lasmar Membro do Conselho Consultivo do IPLD. PhD pela London School of Economics and Political Science (LSE) e Especialista em Combate ao Financiamento do Terrorismo.