29/11/2023 Atualizado em : 30/11/2023

Geopolítica e comércio: entendendo o impacto do Oriente Médio no setor privado

29/11/2023 Atualizado em : 30/11/2023

Em um mundo cada vez mais interconectado, as dinâmicas geopolíticas desempenham um papel fundamental na definição das tendências de mercado global. Em entrevista exclusiva ao IPLD, Guilherme Casarões, cientista político e professor da FGV EAESP, explora a complexa dinâmica do Oriente Médio e analisa como os recentes conflitos na região afetam o setor privado, destacando tanto os desafios quanto as oportunidades emergentes para as empresas brasileiras. Leia a entrevista exclusiva a seguir sobre Geopolítica e comércio.

IPLD: Em que medida as empresas brasileiras que operam ou pretendem operar no Oriente Médio devem estar cientes e preparadas para lidar com questões de compliance e ética empresarial, especialmente em relação às recomendações internacionais e sanções aplicáveis em zonas de conflito?

Guilherme Casarões: A maioria das empresas brasileiras que têm negócios no Oriente Médio conseguiu se adaptar a um cenário de turbulência política regional concentrando seus esforços em países mais estáveis, geralmente autoritários, como Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes. Com relação a esses países, sobretudo as monarquias sunitas do Golfo árabe, é fundamental que se conheçam determinadas práticas locais de negócios e se compreenda o papel da religião islâmica nos acordos comerciais e de financiamento. Um bom ponto de partida é estabelecer relações com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e outras organizações de promoção de comércio com países específicos da região. O risco de empresas brasileiras serem afetadas por sanções é baixo, pois o risco é concentrado no Irã (e, em menor grau, no Iêmen, com quem temos poucas relações comerciais). Nos demais casos, há relativa estabilidade política e segurança jurídica.

IPLD: Recentemente, você publicou um artigo que trata da urgência de uma solução global para o conflito no Oriente Médio, destacando o papel estratégico do Brasil neste contexto. Considerando as relações diplomáticas do Brasil com Israel e a Palestina, bem como sua posição atual na presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de que maneira a abordagem brasileira em relação ao conflito Israel-Palestina, notadamente seu apoio à solução de dois estados e os esforços para soluções humanitárias, pode influenciar as relações comerciais do Brasil com as nações do Oriente Médio?

Guilherme Casarões: A posição histórica do Brasil com relação ao Oriente Médio em geral, e a Israel e Palestina em particular, sempre foi a de manter relações cordiais com os países da região e de buscar soluções diplomáticas para os conflitos regionais. Esse bom trânsito brasileiro foi um elemento que facilitou o comércio com a região: desde a década de 1970, importamos petróleo e derivados de países como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Iraque, além de exportarmos um amplo leque de produtos para todo subcontinente, que vão desde materiais bélicos a serviços de construção civil, passando por commodities como carne e frango halal (principalmente para os mercados muçulmanos), milho, soja e derivados. Esse cenário não mudou radicalmente nos últimos anos, diante da eclosão de guerras civis, de transformações geopolíticas e da recente guerra de Israel na Faixa de Gaza. Ao manter o equilíbrio e a cordialidade diplomáticos junto às nações árabes e muçulmanas – além, é claro, de Israel –, o Brasil foi capaz de assegurar seus interesses comerciais num mundo cada vez mais competitivo.

IPLD: Considerando as tensões e alianças no Oriente Médio, particularmente entre Israel e a Arábia Saudita, e a influência crescente da China na região, como essas dinâmicas geopolíticas podem afetar as estratégias de exportação das empresas brasileiras, especialmente aquelas que dependem de mercados naquela região?

Guilherme Casarões: Paradoxalmente, as crescentes tensões geopolíticas entre Arábia Saudita e Irã, por um lado, e entre Israel e Palestina, por outro, são benéficas a um setor específico da economia brasileira, o da defesa. O Brasil exporta produtos militares para muitos governos da região, que vão de carros blindados a gás lacrimogêneo, além de comprar componentes eletrônicos e equipamentos de segurança de empresas israelenses. Pensando o cenário mais amplo do comércio brasileiro, muito centrado na exportação agropecuária, as empresas nacionais seguem sendo muito estratégicas aos mercados do Oriente Médio. O Brasil vem se afirmando como protagonista no tema da segurança alimentar – um dos temas mais relevantes da política internacional contemporânea e particularmente crítico aos países da região, carentes de recursos agrícolas, mas abundantes em energia. Atualmente, a despeito da guerra em Gaza, a única grande variável que pode impactar as exportações brasileiras é o Irã: graças às sanções econômicas ao país iniciadas no início dos anos 2010 e retomadas durante o governo Trump, a venda de milho e soja do Brasil para o país tem sido intermitente, atingindo um patamar relativamente alto, de 4,3 bilhões de dólares em 2022. Um retorno de Trump à Casa Branca, a partir de 2025, pode reverter novamente esse cenário.

IPLD: Como o conflito no Oriente Médio pode afetar as cadeias de suprimentos globais e os preços de commodities, especialmente petróleo e gás, que são cruciais para a economia brasileira? Como as empresas brasileiras podem se preparar para essas flutuações? 

Guilherme Casarões: Um risco permanente do Oriente Médio é que os conflitos na região causem aumentos repentinos ou oscilações no preço de commodities energéticas. No entanto, o fato de o petróleo ser cartelizado (por meio da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, ou OPEP) garante alguma estabilidade de preços mesmo diante de ocorrências geopolíticas mais graves, como foi o caso da guerra civil síria ou da recente guerra na Ucrânia. A não ser que o conflito em Gaza se torne uma guerra regional, envolvendo diretamente atores como Irã e Arábia Saudita, as flutuações no preço da energia tendem a ser baixas, sem impactos significativos para as empresas brasileiras. O Brasil ainda tem uma camada adicional de proteção, que é a regulação de preços de petróleo via Petrobras, que impede ou minimiza uma ruptura drástica com os preços praticados internamente.

IPLD: Olhando para o futuro, quais tendências ou mudanças você prevê no Oriente Médio que poderiam influenciar significativamente o cenário internacional do setor privado no Brasil? Como as empresas podem se preparar para essas mudanças, especialmente em contextos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (PLD-FTP)?

Guilherme Casarões: À primeira vista, são duas as possíveis mudanças disruptivas para as quais o setor privado deve se atentar. A primeira, como já antecipada, é a regionalização do conflito israelo-palestino. Caso a continuidade das agressões leve à entrada de novos atores na guerra, especialmente os governos iraniano e saudita, os efeitos sobre o comércio regional são imprevisíveis. Outro fator, dentro desse mesmo contexto, é a atuação de grupos terroristas fora da região. Caso atores não-estatais como Hezbollah, que atua no sul do Líbano, e Hamas, na Faixa de Gaza, realizem ações terroristas fora do Oriente Médio, pode haver pressão internacional para que o Brasil e outros países incorporem em suas legislações medidas para criminalizar as atividades desses grupos. No caso brasileiro, em particular, o risco está nas atividades comerciais na região da tríplice fronteira (Foz do Iguaçu-Ciudad del Este-Puerto Iguazú), onde se acredita haver atividades financeiras ligadas sobretudo ao Hezbollah. Mas, novamente, o risco me parece baixo. A segunda mudança, essa mais impactante em nível global, será o retorno de Trump ao governo norte-americano. Uma guinada na postura dos Estados Unidos no Oriente Médio, no sentido de aprofundar o isolamento do Irã, pode ser problemática para o comércio brasileiro com este país.


Da Redação 

Conheça nosso entrevistado

Guilherme Casarões

Cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Atualmente, é professor visitante na Brown University e já foi pesquisador visitante nas universidades de Michigan, Brandeis e Tel Aviv.