Diversos autores da Economia Comportamental rompem com a visão econômica neoclássica, concebendo uma realidade com a qual as pessoas agiriam com base em hábitos, fatores emocionais e pelas decisões daqueles com os quais interagem Imagem: Freepik Dando continuidade ao artigo anterior, é possível mostrar o entendimento de Becker em análises neoclássicas de funcionamento do mercado, que considera a maximização dos lucros e das funções de utilidade, segundo a concepção de que os agentes econômicos agem de acordo com uma lógica que visa tirar maior proveito das suas relações de produção e consumo na sociedade. Entretanto, este arcabouço referencial de homo economicus utilizado na teoria de Gary Becker recebe críticas e fundamentações contrárias, como, por exemplo, as falhas de julgamento aduzidas por Tversky e Kahneman, que dificultariam a maximização da utilidade da escolha feita pelo tomador de decisão e colocariam “em xeque” a racionalidade absoluta pressuposta. Além disso, diversos autores da Economia Comportamental rompem com essa visão econômica neoclássica, concebendo uma realidade segundo a qual as pessoas agiriam com base em hábitos, experiências pessoais, regras práticas simplificadas, decisões rápidas, e que teriam dificuldade de conciliar interesses de curto e longo prazo, sendo fortemente influenciadas por fatores emocionais e pelas decisões daqueles com os quais interagem. Apesar dos contrapontos mencionados indicarem a existência de uma “racionalidade limitada”, Gary Becker se baseia em seus antecessores, como Beccaria e Bentham, que já tinham se debruçado sobre análises econômicas para abordar o direito penal, para, através da Teoria Econômica do Crime, procurar alargar as aplicações do conhecimento formal de teoria econômica a novos domínios do comportamento humano e das relações, mais especificamente através da compreensão sistemática do fenômeno social criminológico. Assim, o autor defende que, porque a criminalidade exerce importante influência na economia, diversas interações econômicas e sociais se originam quando uma atividade ilícita é cometida. Desse modo, perquirindo atingir níveis de criminalidade que minimizem as perdas sociais resultantes desses atos, assim como uma melhor alocação de recursos públicos e privados para o tratamento da questão, Becker correlaciona o número de crimes e os seus custos sociais, o número de crimes e suas respectivas punições, o número de crimes e os gastos em segurança pública, os números de crimes e os gastos privados com proteção. Devido a isso, chega à conclusão de que a determinação quanto a “crime pays” estaria diretamente relacionada com a disposição do indivíduo ao risco, mas também com a identificação de um custo-benefício positivo ao infrator, custo esse que englobaria não só questões monetárias, mas qualquer vantagem decorrente do crime que supere a possibilidade de ser identificado, a expectativa de punição, a celeridade da persecução penal, a punição aplicável propriamente dita e o dano reputacional causado ao indivíduo frente ao crime cometido. Conforme observado no exemplo do estacionamento vivido e retratado por Gary Becker, o comportamento desviante nem sempre é acompanhado da punição, considerando que há uma chance substancial do crime não ser percebido e do criminoso não ser identificado pelas autoridades competentes. Desta forma, na digressão racional feita pelo infrator, a consequência da punição acabaria sendo substituída pelo risco de ser punido, e faria com o que o indivíduo passasse a ponderar a probabilidade de ganho com a probabilidade de recebimento da punição. Outro fator que compõe a racionalização proposta por Becker é a questão da morosidade de aplicação da sanção, tendo em vista que mesmo quando os atos criminosos são identificados, a persecução penal estatal enfrenta o problema de congestionamento de demanda numa estrutura jurisdicional despreparada para atendê-las em tempo hábil. A não observância de uma duração razoável ao processo compromete a eficiência do sistema de Justiça, a eficácia das decisões e a efetividade da medida sancionatória. Desta forma, um novo fator seria adicionado ao processo de decisão do infrator, fazendo com que a adoção de um comportamento desviante pudesse continuar sendo vantajosa para um indivíduo mesmo quando o risco da punição superasse o potencial ganho. O alto índice de incerteza da punição bem como a morosidade da aplicação da sanção cominada ao ato, que estão entre as variáveis consideradas na racionalização segundo a Teoria Econômica do Crime, podem ser entendidas como circunstâncias relacionadas ao aspecto de oportunidade do Triângulo da Fraude proposto Donald Cressey, tendo em vista não exercerem o controle adequado a coibir a ocorrência dos delitos. Considerando que Becker entende o custo social como sendo o resultado entre o benefício adquirido pelo criminoso ao realizar o crime, o malefício causado ao restante da sociedade e os custos incorridos à sociedade para punir o ato criminoso, preceitua que as variáveis de probabilidade de condenação e punição aplicável desempenham papel duplo no que diz respeito ao combate da criminalidade, porque um aumento nesses índices, ainda que pudesse representar uma diminuição no número de delitos, de todo modo aumentaria o custo social. Essa lógica, para alguns autores, ressaltaria a importância de um viés preventivo, no caso de crimes corporativos, através de sistemas de governança robustos. Assim, para Becker, uma decisão ótima no que concerne a aplicação de políticas públicas e privadas ideais para que o custo social seja o menor possível seria referente a uma forma eficiente de sanção que se igualasse ao ganho privado marginal da atividade criminosa. Ao avaliar a extensão da punição necessária à eficiência das diversas leis penais, Becker então conclui que as multas, em muitos casos criminais, apresentariam vantagens em relação a outras formas de punição. Ele defende este ponto indicando que este tipo de sanção pune os infratores, mas também compensa a sociedade e conserva recursos. Na legislação brasileira observa-se a previsão da fixação da multa ser aumentada em até o triplo se, em virtude da situação econômica do réu, a aplicação do máximo previsto pelo tipo penal for ineficaz. Observa-se ainda no Direito Penal Tributário essa influência de otimização na alocação de recursos no que diz respeito à exclusão da punibilidade do agente mediante ao pagamento do tributo devido, mesmo em forma de parcelamento. Intuindo que a busca pela ordem e pelo bem-estar social passam por diversos ângulos, a questão desses estudos interdisciplinares é a aplicação da metodologia pelo Sistema Jurídico para compreensão do fenômeno criminal, de modo a correlacionar políticas públicas e privadas mais adequadas, objetivando tornar mais eficiente a norma penal e o rendimento da justiça criminal, o que, por esta ótica, poderia maximizar os resultados referente a tutela do bem jurídico valorado socialmente. Vinicius Carvalho: Contador. Sócio Diretor de Ética, Compliance e Investigações na KPMG Brasil. Especialista em Controladoria, Auditoria e Compliance pela Universidade Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Governança, Riscos e Compliance pelo Risk University da KPMG Brasil. Certificado em Investigações Corporativas, Compliance e em ESG pela KPMG Business School. Thais Coutinho: Advogada. Especialista em Direito Penal e Compliance pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da Universidade de Coimbra/PT. Especialista em Compliance, Governança Corporativa e Supervisão Pública pela Universidade de Lisboa/PT. Certificada em Financial Crimes e Investigações Corporativas pela KPMG Business School.