03/04/2023

Do Garimpo à Lavagem de Capitais

03/04/2023

A exploração do ouro é uma atividade embrenhada na história do Brasil, motivadora do desbravamento e objeto de contrabando, fez também nascer a expressão “santo do pau-oco”

Termo até justificável por episódios como o da serra pelada que permanece no imaginário popular a ideia do garimpeiro vulnerável, que utiliza instrumentos simples e necessita de processos facilitados para vender seu produto, o que acaba dando brecha à lavagem de minerais.

Se antes o garimpo era identificado pela extração rudimentar, agora a Lei nº 7.805/1989, que instituiu o regime de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), excluiu a forma de exploração da definição, passando a exigir apenas a prévia outorga da PLG. Na mesma linha o Estatuto do Garimpeiro, o define como toda pessoa física brasileira, individual ou em forma associativa, que atue no processo de extração de minerais garimpáveis.   

Ao não exigir rudimentariedade, individualidade e tradicionalidade na exploração, a lei permite a utilização de maquinários complexos, além de entidades associativas que possuem volume de exploração e poder econômico de verdadeiras minerações, porém com os controles do regime jurídico do garimpo.

A simplificação da Permissão de Lavra permite a extração independente de prévia pesquisa que dimensione a capacidade da jazida. Embora o licenciamento ambiental seja obrigatório, a Consolidação Normativa do DNPM (atual ANM) define apenas dimensões espaciais, sem especificar as situações em que exigirá projeto de solução técnica. Tal flexibilização oportuniza o esquentamento do ouro através da declaração falsa de sua origem.

A ausência de estudos sobre a quantidade máxima de metal em cada PLG, possibilita que o ouro retirado de áreas sem autorização ou de terras indígenas, seja vendido como fruto de garimpo legal. Apesar de anualmente o titular do direito de lavra ter que informar ao DNPM a quantidade de produção e comercialização, a falta de parâmetro dificulta a confrontação e a aferição da legalidade, sobretudo porque qualquer membro da cadeia produtiva pode vender o ouro. Embora o ouro do garimpo somente possa ser vendido dentro da região de extração e às DTVM, através dos Postos de Compra de Ouro (PCO), são aptos a vendê-lo todos os agentes que atuam em atividades auxiliares do garimpo, tais como piloto de avião, comerciantes de suprimentos ao garimpo, fornecedores de óleo combustível, equipamentos e outros agentes, que são, em certa medida, atravessadores. 

Desta forma, toda pessoa que apresentar documento de transporte e declaração de origem com número do título autorizativo de extração, será um vendedor de ouro responsável pela veracidade das informações prestadas. Presumindo-se a legalidade do ouro e a boa-fé do PCO que mantiver arquivada a declaração de origem do ouro e a cópia da carteira de identidade (RG) do vendedor.   

Porém, esta presunção não exime o adquirente de realizar a conferência das informações prestadas. A Lei nº 9.613/98 sujeita às obrigações do seu art.10 e 11, as pessoas físicas e jurídicas que compram e vendem ouro como ativo financeiro, não os exonerando diante de uma “cegueira deliberada” fundamentada na presunção legal. 

Não obstante, a averiguação nesse contexto ainda é complexa, tanto pela difusão de vendedores, quanto pela inexatidão do tamanho das jazidas, apesar da recente regulamentação do Cadastro Nacional do Primeiro Adquirente. 

Contudo, os PCO que realizam a checagem documental são evitados pelos garimpeiros que fraudam a origem do ouro. Assim, o ouro ilegal passa a circular através de agentes que não realizam a devida diligência, ressaltando a importância de controles firmes e fiscalização efetiva para estrangular a entrada do ouro ilegal no Sistema Financeiro, sobretudo porque a nota fiscal de aquisição emitida pelo PCO, vinculado à DTVM, é suficiente para comprovar a regularidade.   

Por fim, paralelo às inconsistências jurídicas que facilitam o esquentamento, enevoando o ouro legal e o ilegal, acontece o mercado ilegal do mineral, além de sua utilização à margem do Estado. Ademais, considerando que o ouro é um ativo de elevada liquidez, ele pode, inclusive, ser reserva de valor utilizada para a lavagem de capital oriundo de outros crimes, como tráfico de drogas, de armas, de pessoa, corrupção, além do crime ambiental inato à exploração ilegal.  

 

Referências: 

– Das lavras ao mercado: conheça o caminho do ouro e o papel do BC nesse segmento. https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/57/noticia. Acesso em 16 fev. 2023.

– Ministério Público Federal, Mineração ilegal de ouro na Amazônia: marcos jurídicos e questões controversas. Série Manuais de Atuação, v.7, 2020. Disponível em: www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/publicacoes/roteiros-da-4a-ccr/ ManualMineraoIlegaldoOuronaAmazniaVF.pdf

– Lei nº 7.805/1989; Lei nº 7.766/1989; Lei nº 9.613/1998; Lei nº 11.685/2008; Lei nº 12.844/2013; Lei nº 13.575/2017; Decreto nº 9.406/2018; Consolidação Normativa do DNPM (Portaria nº 155/2016); Resolução ANM nº 103/2022.

Especialista em Direito Penal e Direito do Estado, graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador e em Humanidades – Relações Internacionais pela UFBA. Certificada em Prevenção à Lavagem de Dinheiro (IPLD), em Compliance Financeiro (LEC/FGV) e Compliance de Proteção de Dados (EXIN). Tendo atuado como advogada e consultora jurídica no setor privado e público. 

 


 

Autora: Bruna Menezes

Especialista em Direito Penal e Direito do Estado, graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador e em Humanidades – Relações Internacionais pela UFBA. Certificada em Prevenção à Lavagem de Dinheiro (IPLD), em Compliance Financeiro (LEC/FGV) e Compliance de Proteção de Dados (EXIN). Tendo atuado como advogada e consultora jurídica no setor privado e público.