28/11/2024 Atualizado em : 17/12/2024

Criptoativos e lavagem de dinheiro: desafios regulatórios no Brasil 

28/11/2024 Atualizado em : 17/12/2024

No cenário atual de rápida transformação tecnológica, os criptoativos representam um desafio complexo para os profissionais de compliance. Em meio às discussões sobre a necessidade de uma regulamentação mais robusta para o setor, o IPLD entrevistou Felipe Américo Moraes, Advogado e Membro da Comissão de Mercado Financeiro e Ativos Digitais do Instituto Brasileiro de Direito Regulatório (IBDRE), para abordar questões fundamentais sobre a adequação da Lei 9.613/1998 ao cenário atual, o papel da tecnologia blockchain nas investigações criminais e a busca pelo equilíbrio entre inovação financeira e segurança jurídica. Confira. 

IPLD: No contexto da Lei 9.613/1998, você identifica a necessidade de atualizações específicas para endereçar as particularidades das transações com criptoativos? Como sua experiência na advocacia criminal tem contribuído para essa análise? 

Felipe: Sem dúvida há margem para melhorias na Lei. A regulação atual, embora robusta em muitos aspectos, ainda é genérica para lidar com a dinâmica descentralizada e global dos ativos digitais. Exemplo disso é ausência de uma definição sobre as obrigações dos desenvolvedores de plataformas descentralizadas em criar mecanismos de prevenção de lavagem de dinheiro. Há casos contraditórios em que autoridades regulatórias entenderam pela desnecessidade de cumprimento dessas medidas, mas os desenvolvedores foram presos e acusados de lavagem de dinheiro. Há uma evidente demanda por uma regulação mais explícita sobre o tema.  

Minha experiência na advocacia criminal tem sido importante para essa análise, pois lido frequentemente com casos envolvendo a utilização de criptoativos em esquemas ilícitos. Essa prática me permite identificar os pontos vulneráveis do sistema atual – como a dificuldade em rastrear fundos provenientes de “mixers de criptoativos” ou de exchanges não regulamentadas. Outro aspecto importante é a barreira internacional, que dificulta uma comunicação célere para o cumprimento de ordens judiciais. É perceptível a importância de uma maior harmonização regulatória internacional para evitar a fragmentação jurídica e facilitar a cooperação em investigações transnacionais. 

IPLD: Como membro da Comissão de Mercado Financeiro e Ativos Digitais do IBDRE, qual sua visão sobre o atual cenário regulatório das criptomoedas no Brasil e quais os principais erros dos profissionais de PLD-FTP que podem resultar em processos administrativos sancionadores, tema que será aprofundado no próximo webinar IPLD? 

Felipe: O cenário regulatório das criptomoedas no Brasil está em fase de amadurecimento. A recente aprovação do marco legal para ativos digitais foi um passo significativo, mas ainda há desafios a serem enfrentados, como a definição clara de responsabilidade entre intermediários, Exchanges e desenvolvedores de protocolos descentralizados. A atuação do Banco Central e da CVM em conjunto é um indicativo positivo, mas ainda precisamos avançar em diretrizes específicas para a implementação de controles robustos de PLD-FTP em criptoativos. 

Quanto aos erros mais comuns cometidos pelos profissionais de PLD-FTP, destaco: 1) as falhas na identificação do beneficiário final das transações, para, sobretudo, verificar a vinculação com “endereços suspeitos”; 2) Deficiência na avaliação de riscos específicos do setor; e 3) inadequação nos relatórios de transações suspeitas. Esse mercado está evoluindo bastante em contexto de autorrregulação, mas demanda orientações mais claras – algo que já está em curso pelo BACEN. 

IPLD: Em seu livro Bitcoin e lavagem de dinheiro: quando uma transação configura crime, você destaca que a tecnologia blockchain, apesar de frequentemente associada a atividades ilícitas, pode ser uma aliada nas investigações criminais. Poderia explicar como as características de transparência e rastreabilidade do blockchain podem auxiliar na identificação e combate à lavagem de dinheiro? 

Felipe: Claro. Algo já bastante debatido sobre as transações com criptoativos é a transparência das transações. Significa que grande parte desses ativos possuem uma blockchain que permite a consulta de todas as transações que foram realizadas, desde sua criação. Muito se diz sobre esses ativos serem um aliado dos criminosos, pois permitem a ocultação do seu patrimônio de modo que impossibilita a apreensão pelo Estado.  

Entretanto, existe outro aspecto: a publicidade das transações permite, em determinados casos, o rastreio e monitoração dos ativos para descobrir sua localização e, sobretudo, se houve atos de lavagem de dinheiro. Essas são informações que, no sistema financeiro tradicional, demandariam uma quebra de sigilo. Entretanto, devido à publicidade das transações, há maior facilidade para as autoridades de investigação na investigação de crimes – desde que haja o conhecimento técnico necessário. 

IPLD: Considerando sua experiência acadêmica e prática, como você avalia o equilíbrio entre o potencial inovador dos criptoativos e a necessidade de controles para prevenção à lavagem de dinheiro? 

Felipe: O maior desafio está na busca de um equilíbrio regulatório. O ambiente de liberdade que originou os criptoativos é bastante resistente às imposições feitas pelo Estado. Significa dizer que uma regulação mais restritiva (como, por exemplo, a proibição, algo que já ocorreu em alguns países) apenas incentiva o desenvolvimento de sistemas que operam à margem da legalidade.  

Na prática, é impossível impedir o funcionamento do mercado de criptoativos. Assim, os desafios atuais se concentram no limite entre a liberdade e o controle pelo Estado. Ou seja, quais regras as autoridades regulatórias irão criar para as empresas e indivíduos que atuam nesse mercado.  

Especificamente sobre prevenção de lavagem de dinheiro, é possível dizer que há uma “curva de aprendizado” na compreensão das limitações que poderão ser impostas. Exemplo disso é a dificuldade na identificação dos usuários que transacionam com criptoativos – algo que ocorre pela própria característica da tecnologia. Significa dizer que saber os limites regulatórios que poderão ser impostos a esse mercado é algo que está em intenso debate atualmente. 

Conheça o entrevistado

Felipe Américo Moraes 

É advogado criminalista sócio na Beno Brandão Advogados associados. Mestre em Direito pela UniCuritiba, especialista em Direito Penal Econômico e Empresarial pela Universidade Positivo. Professor na FAE Business School. Membro da Comissão de Mercado Financeiro e Ativos Digitais do Instituto Brasileiro de Direito Regulatório (IBDRE). Autor do livro “Bitcoin e lavagem de dinheiro: quando uma transação configura crime”.