17/02/2023

Crime Ambiental e Lavagem de Dinheiro: atividades criminosas estão diretamente conectadas

17/02/2023

Falta de regulamentação de negócios ligados ao setor ambiental atrai criminosos que tentam burlar o controle do sistema financeiro

Imagem: Adobe Shutterstock

Garimpos ilegais, pesca predatória, extração ilegal de madeira e outros crimes ambientais que assolam o país estão frequentemente nas manchetes do noticiário. Indígenas da etnia Yanomami morrendo de fome devido à contaminação dos rios por mercúrio, em Roraima, revelam a vulnerabilidade do sistema de combate aos crimes ligados ao meio ambiente. Além das infrações à Lei Ambiental (L9605/98), essas atividades também estão diretamente associadas ao crime de Lavagem de Dinheiro (L9613/98). A advogada e mestre em Direito Penal Econômico, Fernanda Casagrande, explica por que muita gente desconhece a ligação entre essas atividades criminosas.

 

“A Lavagem de Dinheiro é o que chamamos de ‘crime parasitário’, porque precisa de um outro crime antecedente. Os que são mais comumente relacionados são: o tráfico de drogas, a corrupção e o contrabando. Não por acaso, esses eram os crimes listados na legislação até a mudança de 2012, que excluiu o rol taxativo de crimes antecedentes. Isso permitiu o reconhecimento do crime de lavagem de dinheiro como a ocultação e dissimulação de dinheiro do proveito de ‘qualquer’ atividade criminosa”, diz a advogada.

 

O que é o Crime de Lavagem de Dinheiro?

A Lei nº 9.613 de 1998 descreve o crime de lavagem de dinheiro como o ato de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal.

 

Adequação ao cenário mundial

A mudança legislativa de 2012 foi uma resposta do Brasil a requerimentos do Grupo de Ação Financeira (GAFI), órgão intergovernamental de combate ao uso criminoso do sistema financeiro, uma vez que a legislação brasileira era considerada branda.

Fernanda Casagrande percebe uma melhora no cenário de combate à Lavagem de Dinheiro. “A lei traz um incremento de obrigações para pessoas jurídicas e pessoas físicas que exercem certos tipos de atividades”. Porém, ainda é insuficiente, por não citar explicitamente o crime ambiental como causador da lavagem de dinheiro. “A falta de regulamentação faz com que o criminoso migre para um ambiente menos regulado, porque a chance de cair em uma política de compliance, que vai perceber essa operação suspeita e reportar para o COAF, é menor”, afirma.

Uma circular do Banco Central (número 4001, art XVII) de 2020 trouxe uma relação de situações que podem indicar crime de Lavagem de Dinheiro, mas sem se aprofundar no crime ambiental. “A circular toca no crime ambiental apenas ao falar de ‘situações atípicas em municípios localizados em regiões de extração mineral’”, diz a advogada.

Em 2021, o GAFI emitiu um relatório – Money Laudering from Environmental Crime (Lavagem de Dinheiro Proveniente de Crime Ambiental) – que apresentou de forma bem clara os riscos e o incremento dessa relação. “É mais uma relação de causa do que uma relação de meio. O crime ambiental é o antecedente da lavagem. Se aumenta o crime antecedente – a prática ambiental ilícita -, aumenta a lavagem de dinheiro”, afirma Fernanda. Para a advogada, o GAFI considera que os negócios envolvidos no crime ambiental tem um fator “Low-risk, high-reward (baixo risco, alta recompensa)”.

 

Práticas de ESG

Apesar de caminhar a passos lentos, o combate à Lavagem de Dinheiro tem dado resultados e muito se deve à iniciativa privada, com as ações de Environmental Social Governance (ESG).

 

“Essa questão das práticas de ESG é um movimento privado, que nossos órgãos regulatórios já deveriam ter adotado. Deveriam ter feito algum tipo de cenário normativo, que recompensassem empresas que adotassem práticas ESG. Além disso, instituir a obrigatoriedade de identificação de clientes e fornecedores, a manutenção de cadastros atualizados, o registro de operações e a comunicação de operações suspeitas para negócios ligados ao meio ambiente. É hora das nossas autoridades públicas olharem para isso com mais cuidado”, completa Fernanda.  

 

O papel das empresas

Proteger o meio ambiente é um ativo, um cartão de visitas para as empresas. Quem garante é o doutor e especialista em gestão de ESG (Environmental Social Governance), Roberto Roche. “A sua empresa vale tanto pelo que ela produz, financeiramente falando, quanto na questão social e ambiental”. Para conquistar esse diferencial competitivo, as empresas precisam prevenir possíveis desastres ambientais desenvolvendo um sistema de gestão eficiente e seguindo a legislação ambiental.

 

“A nossa legislação de crimes ambientais é excelente, perfeitíssima! Duas coisas dão cadeia neste país: pensão alimentícia e flagrante de crime ambiental. É o pavor dos empresários, porque separa o CPF da pessoa física do CPF da pessoa jurídica e vai em cima dos responsáveis diretos. Se o empresário for alguém com consciência ambiental, não ignora a lei. Por isso, existe o seguro de responsabilidade civil”, afirma Roberto Roche.

 

Herança criminosa

A Lei Ambiental (L9605/98) também responsabiliza os profissionais que se omitem ao saber de um dano ambiental. “Esconder passivo ambiental também é crime. Provoca tríplice reação da lei: civil, administrativa e criminal. O passivo ambiental é a pior consequência do crime ambiental. O mercúrio do garimpo é jogado na água, entra na cadeia alimentar e a pessoa come o peixe contaminado. O mercúrio se acumula na medula espinhal, e, mais tarde, seus filhos nascem deformados. É o que está acontecendo agora na Amazônia”.

No caso da contaminação dos rios do território Yanomami, Roberto Roche ressalta um ponto importante, a dificuldade de identificação dos responsáveis. “Quando se fala da Amazonia, a pergunta que se coloca é: quem é o dono? Quem será preso? Se tudo é grilagem… A regulação fundiária não funciona”, avalia.

No caso das empresas, a melhor maneira de evitar o crime ambiental é fazendo gestão de riscos com a contratação de profissionais habilitados, o cuidado com o descarte de resíduos e o manuseio correto de materiais perigosos. “Você não deixa tocar no solo. Além disso, o crime ambiental não prescreve”, diz. Porém, ainda que o responsável esteja disposto a corrigir o dano, a natureza não se recupera tão rapidamente.

 

O papel do mercado financeiro

Em janeiro deste ano, completaram-se quatro anos do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), que provocou a morte de 272 pessoas. Este foi também um dos maiores desastres ambientais da mineração do país, depois do rompimento da barragem em Mariana (MG), em 2015. “A Vale (do Rio Doce) está sendo processada pelos acionistas nos Estados Unidos, porque eles esperavam receber dividendos e vão receber bem menos, já que têm que pagar a conta”, lembra Roberto. Agora, é o mercado financeiro que está impulsionando a adoção de medidas de ESG.

 

“A indústria química é a maior poluidora do mundo. Até as décadas de 1960/70, era um vale-tudo, mas o lançamento do livro ‘Primavera Silenciosa’, da bióloga Rachel Carson, levou à criação do primeiro órgão ambiental do mundo, o Environmental Protection Action (EPA), nos EUA. A partir daí, o mundo começou a prestar atenção nas indústrias químicas e surgiram as regras que a gente conhece. Eu prefiro ser otimista. A conscientização está aumentando, porque os acionistas e o mercado financeiro estão cobrando das indústrias, senão não vão lucrar”.

 

Referências

PLANALTO. Lei Ambiental. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2023.

PLANALTO. Lei sobre o Crime de Lavagem de Dinheiro. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.613%2C%20DE%203%20DE%20MAR%C3%87O%20DE%201998.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20os%20crimes%20de,COAF%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias>. Acesso em: 8 de fevereiro de 2023.

SUSEP. O Grupo de Ação Financeira – GAFI/FATF. <https://www.gov.br/susep/pt-br/assuntos/cidadao/pldftp/o-grupo-de-acao-financeira-gafi-fatf>. Acesso em: 8 de fevereiro de 2023.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. No dia em que se completam quatro anos da tragédia em Brumadinho, Marina Silva presta solidariedade às vítimas. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/no-dia-em-que-se-completam-quatro-anos-da-tragedia-em-brumadinho-marina-silva-presta-solidariedade-as-vitimas>. Acesso em: 8 de fevereiro de 2023.

BANCO CENTRAL. Carta Circular Nº 4.001, de 29 de janeiro. Disponível em: <https://normativos.bcb.gov.br/Lists/Normativos/Attachments/50911/C_Circ_4001_v2_P.pdf>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2023.

 


 

Autor: Da Redação