27/05/2020 atualizado em : 27/05/2020

Banco Underground: rede de remessas legítimas ou sistema de lavagem de dinheiro?

27/05/2020 atualizado em : 27/05/2020

 

O sistema bancário Underground (subterrâneo) é composto por redes financeiras que operam fora dos canais bancários tradicionais. Ele não está vinculado a nenhum governo, moeda ou banco específico. É um método reconhecido internacionalmente pelo qual as remessas legítimas de dinheiro são rotineiramente transferidas. No entanto, esse sistema também tem sido considerado um canal de lavagem de dinheiro por organizações criminosas e, possivelmente, por redes terroristas.

 

“Underground Bank” é um termo genérico, usado para descrever as transações informais feitas de maneira independente. Por isso, também é identificado pelos órgãos reguladores por outras nomenclaturas: sistemas alternativos de remessa (GAFI), sistemas informais de transferência de fundos (Banco Mundial e FMI) e sistemas informais de transferência de valor (FinCEN).

 

Curiosamente, o Banco Underground é antigo e anterior ao serviço bancário formal. Há registros desse sistema de transferência de fundos durante dinastia Tang (618-907 DC), na China, assim métodos semelhantes em outros países. Os especialistas consideram a sua longevidade histórica surpreendente. Atualmente, alguns bancos subterrâneos conhecidos são: Hawala (India), Hundi (Paquistão) and Fei Ch'ien (China).

 

A globalização criou demanda por uma força de trabalho barata para atuar em outros países. O comportamento comum entre esses trabalhadores é a necessidade de enviar uma porcentagem de seus ganhos para suas famílias em seus países de origem.

 

 

O processo

A National Crime Agency (NCA) (aqui), do Reino Unido, publicou um material em outubro de 2019 sobre o abuso da utilização dos bancos “underground” para envio ilegal de valores para o Reino Unido. Processos investigativos comprovaram que a origem dos valores derivam, em sua grande parte, de antecedentes criminais. Os depósitos são frequentemente realizados nas contas de estudantes chineses, considerados “Mulas de dinheiro” (aqui).

 

A combinação da diversidade geográfica e da tipologia variada dos bancos Underground tornam o sistema atraente para atividades ilegais e difíceis de controlar pelos reguladores. Um dos exemplos desse sistema é hawala remittance:

 

 

Hawala process

 

As transações bancárias underground no sistema hawala não exigem identificação do remetente ou do destinatário dos fundos. É preciso apenas trocar uma senha simples, que pode ser feita via telefone, fax ou e-mail. Esse anonimato atende, por exemplo, aos imigrantes ilegais, que podem temer que o uso de uma instituição financeira formal possa levar a sua descoberta por autoridades de imigração. Também é regularmente utilizado pelos imigrantes legais, que podem ter dificuldades com instituições formais por causa de problemas de idioma, educação limitada ou analfabetismo.

Outra vantagem do sistema bancário underground está relacionado ao fato de seus sistemas serem altamente acessíveis e versáteis. Eles são capazes de suportar oscilações econômicas, políticas e sociais repentinas e dramáticas, como já foi evidenciado por sua presença em países devastados pela guerra, como Afeganistão, Iraque, Kosovo e Somália.

As transações são rápidas, com a autorização e a conclusão das transferências ocorrendo em poucas horas. Além disso, como não estão vinculados a uma taxa de câmbio oficial ou de mercado, os banqueiros não precisam seguir essas regras e costumam especular nas taxas de câmbio, cobrando taxas muito mais baixas.

Acredita-se que maior parte dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 (aqui) foram financiados utilizando os canais informais de envio de recursos. Um relatório emitido em 2004 (aqui) sinalizou que Osama Bin Laden dependia geralmente de redes hawala estabelecidas Paquistão, Dubai e em todo o Oriente Médio.

 

Os crimes financeiros

Os sistemas bancários subterrâneos têm sido utilizados para facilitar uma série de crimes envolvendo propriedade intelectual, tráfico de armas e drogas, sonegação de impostos e contrabando de imigrantes ilegais. É, no entanto, o potencial de atividades de lavagem de dinheiro que aumentou a importância do sistema bancário subterrâneo. A lavagem de dinheiro envolve disfarçar a fonte de lucros ilícitos e é alcançada por meio do processo básico descrito abaixo:
Colocação – receitas ilícitas são colocadas no setor bancário formal;
Ocultação – os lucros ilícitos são redistribuídos através de uma série de contas em pequenas quantidades para disfarçar a origem dos fundos;
Integração – os recursos que antes eram ilícitos agora são lícitos e podem ser usados ​​para comprar propriedades, ações e títulos para que possam ser depositados legalmente nas contas bancárias dos clientes.

 

 

As recomendações do GAFI

O GAFI reconhece que o foco crescente na lavagem de dinheiro nos setores bancários e financeiros formais pode levar a um aumento do deslocamento dessa atividade para o setor subterrâneo (underground) informal. Para que a recomendação VI seja instituída, o GAFI sugere:
– licenciamento ou registro com uma autoridade competente designada, como uma unidade de inteligência financeira ou órgão regulador do setor financeiro, de pessoas que fornecem serviços bancários subterrâneos;
– realização de verificação de antecedentes dos operadores, proprietários, diretores e acionistas de sistemas bancários subterrâneos;
identificação dos serviços bancários subterrâneos examinando toda a gama de mídias utilizadas (incluindo jornais, rádio e internet) para detectar publicidade e informar os operadores sobre suas obrigações de registro e / ou licenciamento;
– conscientização dos órgãos de aplicação da lei dos requisitos de conformidade para serviços bancários subterrâneos e dos métodos pelos quais o uso ilegal desses serviços é alcançado;
– aconselhamento das empresas que possam estar operando serviços bancários subterrâneos de suas obrigações de licenciamento ou registro e comunicação de relatórios;
– exigência de que as entidades exibam seu registro / licença para os clientes na esperança de que clientes legítimos procurem operadores licenciados / registrados.

 

 

 

 

Autor

Manuel Bermejo Fletes

Formado em Administração de Empresas, com MBA em Gestão Estratégica de Negócios e Especialização em Compliance como ferramenta de Gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Profissional com mais de oito anos de experiência na área financeira, coordenando equipes e projetos em instituições nacionais e internacionais. Hoje é Coordenador da área de Monitoramento de Operações de PLD/FT.