20/02/2019

As escolas de samba e a lavagem de dinheiro

20/02/2019

 

Por: Patrícia Alemany

 

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O carnaval, por ser um grande evento, deve receber atenção especial do ponto de vista da prevenção à lavagem de dinheiro. Isso se deve à dificuldade em controlar os pagamentos realizados, podendo ocorrer, por exemplo, a emissão de notas sem a prestação de serviço ou com um valor superior ao serviço realizado. Além da dificuldade na fiscalização de pagamentos, existe uma dificuldade na precificação dos itens. Por exemplo, quanto deve custar uma fantasia de escola de samba? O que faz uma custar R$ 500,00 e outra R$ 1000,00? Essa dificuldade em quantificar os gastos das escolas é mais um entrave à fiscalização.

 

O carnaval e o jogo do bicho

 

No carnaval do Rio de Janeiro, é de conhecimento geral a relação das escolas com contraventores.

 

Quase todas as escolas têm como padrinhos/patronos conhecidos contraventores, sendo que alguns até respondem a processos criminais. Parte do evento é patrocinada por eles.

 

Alguns destes casos foram alvo de investigações e tornaram-se públicos, como a Operação Dedo de Deus, de 2011, responsável por desarticular pessoas relacionadas ao jogo do bicho, que indiciou 84 pessoas, sendo que 61 foram denunciadas à Vara Criminal de Teresópolis pelo Ministério Público, tendo a prisão decretada para 60. Entre as pessoas que tiveram a prisão preventiva decretada estavam: Aniz Abraão David (patrono da Beija-Flor de Nilópolis); Helio Ribeiro de Oliveira (o Helinho, presidente da Grande Rio); Luiz Pacheco Drummond (o Luizinho Drummond, presidente da Imperatriz Leopoldinense).

 

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Também se tornou pública a Operação Mala Fortuna, de 2018, que envolveu a escola de samba Grande Rio. Neste caso, ocorreu um força-tarefa da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro para cumprir mandados de busca e apreensão mirando o jogo do bicho na Baixada Fluminense. As investigações apontavam que Antônio Jayder Soares da Silva, presidente de honra da escola de samba, comandava uma organização criminosa que explorava jogos de azar e lavava dinheiro.

Segundo delegados, Jayder e seus parentes mesclavam o dinheiro obtido das empresas – de forma lícita – com o recolhido com o bicho e jogos de azar em diferentes empresas, como um bazar, serviços de internet, produção de eventos, comércio de alimentos, entre outros.

 

Promiscuidade da sociedade

 

O combate à lavagem de dinheiro nas escolas de samba é uma tarefa bastante difícil devido à dificuldade em encontrar provas profundas desta infração. Todavia, existe ainda outro fator de grande relevância ao falar de carnaval: a relação com a sociedade.

 

De forma geral, pode-se afirmar que há uma relação de complacência entre os contraventores conhecidos e a sociedade.

 

A cobertura midiática em torno do evento, por exemplo, diminui os questionamentos legais ao exaltar a festa e os camarotes repletos de artistas, que exibem uma relação de amizade com os padrinhos das escolas, ou seja, os contraventores.

 

 

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A sociedade, ao exaltar a beleza do carnaval, muitas vezes esquece de cobrar a prestação de contas

 

 

Esta aceitação por parte da sociedade fortalece as ações ilegais, a medida que o poder público caminha de forma isolada, sem pressão da sociedade para uma legislação mais severa em relação à lavagem de dinheiro no carnaval.

 

Como combater?

 

Como foi explicado, a comprovação do crime de lavagem de dinheiro é muito complexa. Entretanto, um bom caminho para o combate a esta infração é a transparência em relação a circulação de recursos.

 

É preciso controlar o dinheiro que entra respondendo a algumas perguntas como: quem realmente financia? Quanto custa um desfile? Como são feitos esses pagamentos?

 

Para isso, as escolas de samba poderiam especificar os gastos com o evento em seus sites, além disso, as prefeituras, responsáveis pela festa, deveriam atuar de forma mais intensa no acompanhamento e certificação destas informações.

O carnaval é a maior festa popular de nosso país, evento no qual as pessoas ocupam as ruas de maneira democrática, porém, é preciso um acompanhamento para que o evento não seja usado para mascarar a origem de dinheiro ilícito. É necessário transparência por parte das escolas, e sensatez por parte da sociedade, em cobrar uma postura mais íntegra dos organizadores do evento, somente assim poderemos ter mais cultura e diversão sem lavagem de dinheiro.

 

 

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Autor

Patrícia Alemany

Delegada de Polícia Coordenadora do LAB-LD PC-RJ