03/03/2023

Após 2 meses de publicação, lei de criptoativos traz dúvidas e previsão de segurança para empresas e investidores

03/03/2023

Especialistas ouvidos pelo IPLD concordam que o novo marco falha em apontar quem deverá regular as criptomoedas

Imagem: Adobe Stock

Ainda incompleta e com a expectativa de definições importantes por parte do mercado, a lei 14.478/22, sancionada nos últimos dias do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, busca regulamentar as transações de criptomoedas no país. Embora o prazo para entrar em vigor ainda esteja distante – a previsão é que isso ocorra no fim de junho, 180 dias após a publicação do marco –, o IPLD foi ouvir especialistas para entender as expectativas e falhas da nova regulamentação.

Uma das questões centrais que geram incertezas é a de quem vai regular as transações. Os especialistas apostam no Bacen ou na CVM – embora a lei não se aplique aos ativos representativos de valores mobiliários. “O grande dilema é quem vai ser o órgão regulador de fato”, afirma Edgard Rocha, vice-presidente do IPLD. O advogado André Portugal, especialista em direito regulatório, concorda: “(essa) é a grande pergunta, que a lei em si não responde”. Ele lembra que a nova norma faz referências “muito genéricas” à autoridade que deverá regulamentar as transações. “Acho que a tendência é que seja algo misto, que envolva Bacen e CVM”, prevê. Ele ainda inclui o Coaf como possível regulador na área criminal sobre a qual a lei dispõe.

O que diz a lei?

Para o advogado Portugal, o marco já é importante por estabelecer diretrizes que dão balizas ao mercado. Entre as balizas mencionadas pelo especialista, a mais importante é a definição de que prestadores de serviços de ativos virtuais só poderão funcionar no Brasil “mediante prévia autorização”, embora ainda não se saiba quem será responsável por isso. Na opinião de Rocha, do IPLD, o Brasil promove um “avanço robusto” com a lei. “Via de regra, a maioria dos países não tem tal regulamentação”, diz. Para ele, o país “dá um passo importante e começa a dar exemplo”. O advogado lembra de leis semelhantes já adotadas na União Europeia, por exemplo, que têm servido de modelo para o Brasil. 

Outra colaboração importante da nova norma, na opinião de Portugal, é a de que ela acaba com o que chama de “limbo regulatório” usado por fraudadores para lesar pessoas que buscam investir em criptomoedas. O advogado lembra os casos de Francisley Valdevino da Silva, conhecido como “sheik dos bitcoins”, que liderou um esquema bilionário de fraude, e o de Sam Bankman-Fried, da gigante dos criptos FTX que faliu. Ambos foram presos. O advogado, que atuou no escândalo do “sheik”, garante: ambos aconteceram em um contexto de falta de regulamentação do setor.

 

“Em um mercado não regulamentado, não há nenhuma garantia, além da palavra, de que de fato o dinheiro do investidor está sendo aplicado em cripto”, afirma. Por isso, as operações de Valdevino não davam aos investidores a mínima segurança. “Fica fácil enganar pessoas dentro de um mercado não regulamentado”. 

 

Autorregulamentação

Embora aguarde com ansiedade os efeitos da nova lei, o mercado já vem fazendo um movimento de autorregulamentação. Rocha menciona o que a ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia) vem fazendo. Surgida em 2017, a organização reúne as principais corretoras do setor, signatários de um código de conduta e de autorregulamentação. “A autorregulação é um comprometimento das empresas associadas à ABCripto nos temas que norteiam o mercado, como ética, solidez e integridade”, explica o site da entidade, no qual os documentos podem ser baixados.

Esse movimento da ABCripto, lembra Rocha, é anterior à lei. “Eu já vinha sentindo que as exchanges, pelo menos as grandes, vinham buscando aprimorar o compliance na questão de lavagem de dinheiro”, afirma. “Quem tem potencial de ser grande (nesse mercado) precisará investir pesado em tecnologia, compliance, no ecossistema voltado à lavagem de dinheiro e integridade”, diz o especialista. “Não vejo cenário em que seja possível fugir disso”.

 

Um consenso: segurança

Não restam dúvidas entre os especialistas: a nova lei traz segurança tanto para as empresas que operam no setor quanto para quem deseja investir em criptoativos, inclusive investidores estrangeiros. “As pessoas passam a saber que não estão mais num terreno anárquico“, diz Portugal. Ele diz que seu escritório vem sendo procurado por pessoas interessadas em se informar sobre a regulamentação. 

 

“Quando pensamos em regulamentação, sempre olho do ponto de vista de permitir a atração de investimentos”, diz Rocha. “Não faz sentido se (a nova lei) não trouxer benefício para o país. “Os investidores analisam a regulamentação do país e vão buscar países mais seguros para colocar seu dinheiro”.

 

Por outro lado, uma das críticas dos especialistas ouvidos pelo IPLD é a falta de regulamentação justamente sobre a área de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD). Rocha explica que as corretoras “mais robustas” já vinham lidando com isso antes mesmo da lei, mas que o novo marco traz um “desafio que o regulador vai precisar enfrentar”. O advogado Portugal acredita que “a lei poderia ser mais taxativa ou mais clara sobre critérios tão específicos quanto possível para definir o que é e o que não é um ativo digital”. Para ele, isso traz um problema prático sobre quem pode fiscalizar, punir e sancionar.

 

Referências: 

 Legislação Informatizada – LEI Nº 14.478, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2022 

 Limbo regulatório dos criptoativos: insegurança para investidores e álibi para fraudadores | Opinião | Portal do Bitcoin 

 Operação da PF mira organização investigada por fraudes bilionárias no Brasil e no exterior sob comando do ‘Sheik dos Bitcoins’

 Criptomoedas: falência da FTX pode indicar o fim? – BBC News Brasil 

 ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia)