31/08/2023

A Integridade e a Gestão Financeira no Mundo do Esporte e Entretenimento – 5º Congresso Internacional do IPLD

31/08/2023

A intersecção entre esporte e integridade desempenha um papel crucial na construção de uma indústria esportiva robusta e socialmente responsável. No cenário brasileiro, onde o futebol assume um papel de destaque, a busca pela conformidade, transparência e ética ganha ainda mais importância. O 5º Congresso Internacional IPLD reuniu especialistas e representantes de clubes esportivos para discutir e compartilhar perspectivas sobre a integridade nos esportes.

Este artigo traz um panorama abrangente das discussões e reflexões apresentadas no painel “A Integridade e a Gestão Financeira no Mundo do Esporte e Entretenimento”. A partir das visões e experiências compartilhadas por Frederico Motta e os representantes dos clubes Vasco da Gama, Atlético Mineiro e Atlético Paranaense, exploraremos como a integridade está sendo redefinida, os desafios que os clubes enfrentam e como a conformidade e educação emergem como pilares fundamentais na busca por um esporte mais ético, transparente e transformador.

 

Um chamado à integridade e evolução no esporte

Frederico Motta, Diretor Geral da Play Anywhere, Inc, abriu o painel enfatizando que a evolução dos clubes esportivos em direção à integridade não é uma transformação instantânea, mas sim um movimento contínuo que cria um efeito dominó de mudanças ao longo do tempo. Por isso, observou-se a importância de adotar políticas de ESG, Compliance, e Integridade dentro dessa esfera dinâmica que, principalmente no Brasil, reflete o maior expoente da indústria esportiva.

Além disso, de acordo com Motta, a influência social e econômica do esporte exige uma responsabilidade coletiva e uma busca enérgica por padrões éticos e transparentes. Nesse sentido, o caso de jogador de futebol Vinicius Junior foi mencionado como exemplo, no qual a mudança de postura da La Liga, uma das principais associações esportivas do mundo, mostrou como pressões sociais podem catalisar mudanças significativas.

Assim, o ponto central defendido foi que a indústria esportiva deve evoluir, com os clubes de futebol desempenhando um papel de protagonista. Frederico Motta ressaltou que esse movimento já está em andamento, evidenciado pelo compromisso de grandes clubes brasileiros em prol da integridade no futebol, que em seguida foram convidados a compartilhar mais detalhes das suas ações rumo à conformidade.

 

Vasco da Gama: integridade no Futebol além das quatro linhas

Como Coordenadora de Compliance, Ouvidora e porta-voz do Vasco da Gama, a primeira mensagem de Clarissa Arteiro foi clara: independente do ordenamento institucional do clube – seja associativo, empresarial ou SAF – uma estrutura de compliance é crucial. Para ela, o compliance é mais do que um conjunto de procedimentos; é uma presença firme e apaixonada, que compreende o mundo do futebol, dialoga com todas as partes interessadas e reflete os valores do esporte.

 

Como ressaltou, tanto o futebol quanto o compliance são construídos por pessoas, e a missão do compliance é refletir e cultivar a integridade na sociedade. O futebol, sendo uma plataforma visível, possui a responsabilidade de entender e espelhar os movimentos sociais. No contexto do Vasco, ela mencionou a inclusão, respeito e igualdade como propósitos fundamentais. Isso se reflete em iniciativas concretas, como o manifesto das torcidas organizadas em apoio à comunidade LGBTQIA+, cartilhas antirracistas e parcerias com instituições como a Delegacia das Mulheres.

 

A abordagem do Vasco é direta: tornar o compliance acessível, assimilável e efetivo na construção de uma cultura de integridade. O objetivo é que os valores éticos se internalizem em todos os membros da comunidade vascaína, demonstrando como a conduta ética pode impactar positivamente toda a comunidade do clube.

 

Perspectiva global de proteção à integridade esportiva

A terceira parte do painel foi enriquecida pela perspectiva global de Cristina Swan, representante da United Lotteries for Integrity in Sports (ULIS), ONG criada por loterias europeias e americanas para monitorar e proteger a integridade das competições esportivas e prevenir a manipulação de resultados. Atualmente, a ULIS possui atuação global, monitorando atividades suspeitas 24 horas, 7 dias por semana, em todo o mundo.

Cristina abordou as crescentes ameaças das apostas esportivas ilegais e da manipulação de competições, ressaltando a habilidade das apostas ilegais de explorar falhas regulatórias e oferecer métodos de pagamento flexíveis, como criptomoedas. Números alarmantes do relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) mostram que 80% das apostas esportivas ocorrem de forma ilegal, resultando em lavagem de dinheiro de até 1.4 bilhões de dólares por ano.

Para combater esse problema, a representante da ULIS indicou estratégias que incluem o desenvolvimento de plataformas de monitoramento, a produção de relatórios de movimentos suspeitos, o compartilhamento de informações com entidades esportivas e a definição de escalas de integridade para torneios e competições. Ademais, ela recomendou a adoção de regras rigorosas de identificação do consumidor, exigindo informações pessoais e formas de pagamento rastreáveis nas casas lotéricas. Por fim, Cristina frisou a importância da colaboração entre os setores público e privado para enfrentar as apostas ilegais e a manipulação esportiva de forma eficaz.

 

Clube Atlético Mineiro: construindo uma estrutura de compliance

Em nome do Atlético Mineiro, o Compliance Officer do clube, Fernando Monfardini destacou a singularidade do futebol como uma indústria que cativa milhões de fãs apaixonados, tornando o cuidado com sua integridade ainda mais importante. Ao ingressar no Atlético, ele encontrou um planejamento de compliance já em andamento, mas recebeu a tarefa de torná-lo uma realidade efetiva. Eles iniciaram com pilares fundamentais, percebendo que os riscos eram multifacetados e difíceis de prever devido à informalidade e à rápida mudança no esporte.

Como estratégia, um canal de denúncia foi lançado, que imediatamente recebeu uma série de relatos. Além disso, estabeleceram políticas, mapearam processos para visualizar os riscos, e implementaram mecanismos de controle e procedimentos destinados a conhecer parceiros, fornecedores e patrocinadores. Como resultado, o processo de compras do clube foi reestruturado, e questionários de due diligence passaram a ser aplicados aos terceiros, em via de mão dupla. 

O ponto-chave, para Fernando, é que o compliance não atrapalha os negócios, mas sim os protege. O objetivo é mostrar o caminho certo, proteger o clube e seus torcedores, e garantir operações seguras. Por isso, Fernando prevê que outros sigam o exemplo, uma vez que o esporte tem muito a contribuir para a sociedade. Em suas palavras: “O esporte, em si, não é preconceituoso; são as pessoas que o são. Com isso, o esporte tem o poder de transformar os indivíduos e a sociedade.”

Clube Atlético Paranaense: compliance como agente transformador

De acordo com a Compliance Officer, Marla Georgia Palma, o Clube Atlético Paranaense acredita que o compliance no futebol é possível e tem o poder de ser um agente transformador. Assim, ao abraçar o compliance, identificaram duas vertentes cruciais:

  1. Gestão de riscos: isso envolveu a compreensão e gerenciamento dos riscos financeiros, de reputação e patrimoniais, e todos os aspectos relacionados a eles.
  2. Pessoas: consideraram colaboradores, atletas, comissões, torcedores e todos os envolvidos no futebol, incentivando a reconsideração de suas condutas. Para isso, lançaram um canal de denúncias que trouxe informações anteriormente não compartilhadas, e criaram um canal de atendimento para os dias de jogos, permitindo a notificação de agressões ou descumprimento da lei. Com base nesses dados, identificaram áreas de melhoria e oportunidades.

Para o clube, compliance é uma busca interna pela melhoria contínua, uma análise crítica de suas falhas com propostas para aprimorá-las. É uma mudança comportamental que se inicia de dentro para fora, e que tem o potencial de disseminação para inspirar outros clubes e setores a adotarem um movimento semelhante. A transformação, portanto, parte do próprio clube, alcançando outras áreas e instituições.

 

Apostas no esporte: abordagem educativa para a integridade

O painel também abordou a questão das apostas esportivas, reconhecendo que empresas de apostas são grandes patrocinadoras do esporte, mas podem ser mal interpretadas devido a abusos de algumas pessoas. A ênfase recaiu sobre a necessidade de educação em vez de punição, conforme destacado por Frederico.

A concordância entre eles foi unânime quanto ao valor da educação. Clarissa destacou que os clubes têm a responsabilidade de ensinar ética e valores corretos aos jogadores, especialmente às categorias de base. Ela mencionou a importância de proibir apostas nos contratos dos jogadores e punir quem as desrespeita, mas enfatizou que a educação é o foco central do compliance.

Fernando argumentou que os clubes precisam se ver como formadores de cidadãos, investindo nas crianças e adolescentes para resolver problemas sociais e do futebol. Em complemento, Marla compartilhou a abordagem do Clube Atlético Paranaense, que vai além das regras ao buscar entender as motivações por trás de comportamentos ilegais. Ela destacou a importância da educação e acolhimento dos jovens atletas, muitos dos quais estão longe de suas famílias.

Por fim, o consenso foi que o caminho para lidar com as apostas no esporte é a educação, tanto para jogadores quanto para a indústria. O compliance assume o papel de educador, promovendo uma mudança de mentalidade para garantir a integridade do esporte e a segurança de seus participantes.

 


 

Curadoria do IPLD

Autora: Ana Luiza Drummond

Doutoranda em Relações Internacionais (USP), possui graduação e mestrado em Relações Internacionais e especialização em Direito Internacional.