Com intuito de combater o tráfico de drogas em escala global, no fim do ano passado, em 15 de dezembro de 2021, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou uma ordem executiva incorporando vinte e cinco entidades à lista de sanções da OFAC (Office of Foreign Assets Control), agência integrada ao Departamento do Tesouro norte americano. Nesta lista constam empresas, pessoas e organizações que são monitoradas e sancionadas pelo governo norte americano, por envolvimento em atividades ilícitas, como terrorismo, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e outros crimes. O OFAC se destaca, a nível mundial, como um dos órgãos de controle mais importantes no que toca a estes assuntos. Dentre as vinte e cinco entidades incorporadas à lista, está o PCC, Primeiro Comando da Capital, facção criminosa brasileira. A ordem executiva menciona o Primeiro Comando da Capital como a organização delitiva mais forte do país, baseada principalmente no Estado de São Paulo, mas com atuação marcada no restante do país, e em toda a América do Sul. O ato assinado pelo Presidente dos Estados Unidos ressalta a existência da organização desde 1990, menciona a relação da associação não só com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, como também com extorsão e homicídio, e que seu alcance resvala não só os Estados Unidos, como alcança países localizados na Europa e Ásia. Além do Brasil, esta ação de Joe Biden impactou indivíduos e organizações localizadas na China, Colômbia e México, estando a maioria delas relacionadas, direta ou indiretamente, ao tráfico de entorpecentes, principalmente cocaína. Exposto um rápido panorama geral, a proposta deste texto é de buscar responder algumas questões práticas acerca do assunto, como também refletir e propor discussões a respeito dos possíveis impactos desta ordem no Brasil. O que são listas de sanções? As listas de sanções são instrumentos desenvolvidos, por órgãos públicos de cada país e também algumas instituições supranacionais, em resposta às ações delitivas, através de penalizações financeiras, diplomáticas, políticas e regulatórias. Basicamente, as listas podem ser consideradas como bancos de dados, abertos a consulta, que buscam restringir entidades (tanto indivíduos quanto empresas) que tenham se envolvido com lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, crimes ambientais, trabalho escravo, tráfico de drogas, e outros crimes econômicos. Estas listagens são organizadas com intuito de sancionar empresas e pessoas que façam negócio com qualquer das entidades listadas, ou seja, que estejam relacionadas, direta ou indiretamente, a estas práticas delitivas. No caso da OFAC, quais seriam essas sanções? Todos os recursos de indivíduos listados, que estejam localizados em solo americano, serão bloqueados e reportados às autoridades do país. Também sofrerão bloqueios todas as empresas que sejam de propriedade, direta ou indireta, de alguns dos indivíduos e entidades listadas. Além do bloqueio de bens e propriedades, o Estado pode também proibir qualquer tipo de movimentação bancária, empréstimos e financiamentos através de instituições financeiras norte-americanas, àquelas instituições que, comprovadamente, estejam correlacionadas aos sancionados. Qual o objetivo da OFAC com estas inclusões? O racional por trás das sanções é de desoxigenação de recursos das entidades sancionadas, ou seja, reduzir a capacidade dessas entidades de se valerem do sistema financeiro dos Estados Unidos, para financiamento de suas atividades. O objetivo é afastar do mercado norte americano tanto elas, quanto outras empresas que mantêm negócios com elas. Sabe-se que, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, o governo norte americano intensificou sua preocupação no que diz respeito não só ao terrorismo e outras práticas criminosas em si, mas também no que tange o financiamento destes atos. Ações ilícitas de grande impacto exigem, necessariamente, uma movimentação anterior de quantias significativas no sistema financeiro, o que passou a exigir do Estado a criação de mecanismos e aparatos que tornem possível: identificar a origem destes recursos, monitorar seu fluxo, e, por consequência, procurar evitar os crimes posteriores. Quais serão os impactos dessa medida no Brasil? Apesar de se tratar de uma ordem executiva estadunidense, este ato possui efeitos extraterritoriais, ou seja, pode afetar pessoas e empresas que operem no mercado dos EUA e transacionem utilizando o sistema financeiro dos Estados Unidos. Entretanto, ao considerar a magnitude e importância do Primeiro Comando da Capital, afinal estimam-se entre vinte e trinta mil membros, pensando em efeitos práticos, escalabilidade e aplicabilidade destas sanções, surgem alguns questionamentos. A listagem do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos não identificou as pessoas físicas relacionadas à organização criminosa, e sim a facção por inteiro: “Primeiro Comando da Capital (a.k.a. First Capital Command, a.k.a. PCC)”. Dessa forma, pela leitura da ordem executiva, conclui-se que qualquer entidade, empresa ou pessoa física, que, conscientemente, receba recursos derivados de atividades ilícitas relacionadas ao PCC, poderá ser responsabilizada. Dessa forma são grandes os desafios no que diz respeito a aplicabilidade da norma às entidades e instituições obrigadas no Brasil. Como identificar todos os integrantes da facção criminosa? Como criar controles para que a instituição não se relacione com possíveis integrantes do PCC? Quem serão os considerados membros da organização? Qual será a base de dados para alertas: mídias negativas ou processos criminais? Definitivamente muitas perguntas e poucas respostas. Em se tratando de uma facção criminosa brasileira, é muito provável que as empresas mais próximas a recursos ilícitos relacionados ao PCC estejam localizadas no Brasil. Assim, esta proximidade física do risco, passa a exigir maior cuidado das instituições financeiras e setores obrigados brasileiros. Além do mais, como até o momento esta lista não incluía entidades brasileiras, ainda há muito o que ser discutido em termos legislativos, tanto no que diz respeito a receptividade desta ordem executiva ao nosso ordenamento normativo, como também a respeito da legitimidade de eventuais sanções. Sem dúvida alguma, ainda há muita água a passar por debaixo da ponte. Em um panorama geral, a inclusão do PCC na lista reforça, sem qualquer dúvida, a necessidade de que as instituições brasileiras e empresas obrigadas continuem a investir em controles internos e em ferramentas de mitigação de risco, prevenindo-se não só em relação a lavagem de dinheiro, mas também no que toca o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. Portanto, enquanto ainda existem zonas cinzentas a serem esclarecidas, e pairam uma série de dúvidas, antes pecar pelo excesso, por meio de um processo de onboarding bem estruturado, através da realização de due diligences por profissionais capacitados e contratação de fornecedores atualizados e alinhados com as melhores práticas globais. [1] Issuance of Executive Order Imposing Sanctions on Foreign Persons Involved in the Global Illicit Drug Trade; Counter Narcotics Designations and Designations Updates; disponível em https://home.treasury.gov/policy-issues/financial-sanctions/recent-actions/20211215. Acesso em 21 de fevereiro de 2022. [2] Treasury Uses New Sanctions Authority to Combat Global Illicit Drug Trade; disponível em https://home.treasury.gov/news/press-releases/jy0535. Acesso em 21 de fevereiro de 2022. Autor: Mateus Vaz Advogado, Mestre em Direito (PUC Minas), Pós Graduado em Direito Penal Econômico (Universidade de Coimbra), Profissional certificado com Compliance Anticorrupção (CPC-A), Autor do livro Whistleblower: Quem assopra o apito?, Pesquisador bolsista FAPEMIG (2017-2018) e CAPES (2020-2021), Colaborador no portal SER-DH em temática LGBTQIA+.