19/05/2023 atualizado em : 19/05/2023

A delicada relação entre crime ambiental e lavagem de dinheiro

19/05/2023 atualizado em : 19/05/2023

Imagem: Jornal Tribuna

A lavagem de dinheiro é um crime parasitário quando precisa ter uma outra ação delituosa antecedente para que ele efetivamente exista. Dentre estes fatos antecedentes, temos, por exemplo, tráfico de drogas, corrupção e contrabando. Esses crimes estavam listados na legislação até o ano de 2012, quando o rol taxativo de crimes antecedentes foi excluído. Com isso, ficou permitido o reconhecimento do crime de lavagem de dinheiro como a ocultação e dissimulação de dinheiro do proveito de qualquer atividade criminosa. Um avanço.

Já o crime ambiental é uma outra vertente que é investigada rigorosamente pela lei brasileira. É exatamente aqui que conseguimos cruzar os temas: além das infrações à Lei Ambiental (Lei nº. 9.605/98), essas atividades também estão diretamente associadas ao crime de Lavagem de Dinheiro (Lei nº. 9.613/98). Porém, existem diversas circunstâncias que expõem a vulnerabilidade do sistema de combate aos crimes ligados ao meio ambiente no Brasil.

São inúmeros garimpos ilegais a céu aberto devastando a floresta Amazônica, pesca predatória flagrada em época de reprodução das espécies e extração ilegal de madeira evidenciada pelas clareiras em meio a áreas de preservação. Além destes, mas não menos grave, está a situação deplorável na qual foi encontrada o povo yanomami, com mortes por má nutrição, fome e doenças provindas da contaminação dos rios por mercúrio, substância usada no extrativismo mineral, além de violações aos direitos humanos

Do lado do sistema financeiro, a Lei 9.613/98 descreve o crime de lavagem de dinheiro como o ato de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal. Assim, diante das brechas que criaram o cenário ideal para cometer crimes envolvendo meio ambiente e lavagem de dinheiro. Em 2012, o Grupo de Ação Financeira (GAFI), órgão intergovernamental de combate ao uso criminoso do sistema financeiro, exigiu uma postura mais efetiva do Brasil. Foi por isso que o texto da Lei 9.613/98 foi trabalhado e atualizado com mudanças legislativas para atender a comunidade internacional do setor.

A lei trouxe um incremento de obrigações para pessoas físicas e jurídicas, mas a falta de regulamentação faz com que o criminoso migre para este ambiente menos observado, e acaba diminuindo a chance da transação ser identificada em uma política de compliance. A partir daí, o risco de ser levantada qualquer suspeita no esquema e o mesmo ser reportado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), é menor.

O tema foi amadurecendo e, aos poucos, clareando mais o cenário para a identificação e punição da lavagem de dinheiro. Em 2020, o Banco Central do Brasil, em sua circular 4001, e mais especificamente no artigo 1º, inciso XVII, trouxe uma relação de situações que podem indicar crime de lavagem de dinheiro, e citou o crime ambiental ao falar de ‘situações atípicas em municípios localizados em regiões de extração mineral’, delegando às pessoas obrigadas a criação de efetivas políticas, procedimentos e controles

para efetivar a disposição normativa. Porém, vale destacar que o crime ambiental é antecedente da lavagem de dinheiro e, se aumenta a capilaridade do anterior – a prática ambiental ilícita, podemos concluir que a lavagem de dinheiro cresce na mesma (ou até em maior) proporção.

Não podemos deixar de citar que, em 2021, o GAFI emitiu o relatório Money Laudering from Environmental Crime (Lavagem de Dinheiro Proveniente de Crime Ambiental) no qual foi apresentado, de forma bem mais assertiva, os riscos e o incremento desta ligação.

Diante do desafio, as práticas de ESG (Environmental, Social and Governance) são adotadas e até exigidas pelos órgãos reguladores. Inclusive, as empresas que adotam as boas práticas percebem os benefícios de produtividade e reputação, despontando à frente no mercado e no reconhecimento social. Um próximo passo seria a criação de um cenário normativo que pudesse recompensar a conformidade com as boas práticas ambientais. E chegaremos lá!

 

Fonte: Jornal Tribuna


 

Autor:

Lucas Teider é advogado e professor na PUC-PR. Atua como head de Negócios do Instituto de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo (IPLD) e é autor do livro Terrorismo e seu Financiamento: a Política Pública Criminal Brasileira de Prevenção.