06/04/2020

A lavagem de dinheiro por trás dos jogos online

06/04/2020

O mundo digital dos jogos online permite que os usuários transformem moeda virtual em dinheiro real. A facilidade dessas transações só existe porque não há controles rígidos para prevenir a prática dos crimes de Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (LD-FT). As empresas não precisam seguir as mesmas regras das instituições financeiras tradicionais. Neste mundo virtual não é preciso conhecer o cliente, manter registros ou obedecer regulamentos detalhados. Na maioria dos casos, o que vale é apenas a regra do próprio jogo online.

Teoricamente, a prática de comprar, armazenar e transferir moeda virtual para depois trocá-la por dinheiro real deveria ser enquadrada na categoria Money Services Business (MSB), que classifica como fornecedores de serviços financeiros as instituições não bancárias. Assim, além dos bancos, os reguladores financeiros podem acompanhar empresas ou pessoas que vendem, transmitem e convertem dinheiro.

As empresas de jogos online deveriam sofrer esse controle. Mas isso não acontece com maior rigor. Há poucas restrições ou controles para a prevenção da lavagem de dinheiro quando se trata do entretenimento online. Além do mais, alguns jogos são mais favoráveis para a prática do crime do que em outros. O risco é maior naqueles que permitem a troca de moeda virtual para moeda real.

Muitos mundos virtuais têm suas próprias economias organizada por meio de trocas e taxas de câmbio. A moeda e os bens virtuais podem ser comprados online e transferidos para outros residentes. Também podem ser usados para gerar lucros por meio de um empreendimento comercial virtual para, depois, serem trocados para uma moeda real. Mas já há iniciativas com o objetivo de combater as práticas criminosas.

Second Life

Uma das empresas obrigadas a criar uma política de PLD-FT é a Linden Lab, que está por trás do jogo online Second Life. A possibilidade de poder converter dinheiro virtual em dinheiro real fez do jogo um alvo de progressivas incursões governamentais, por estar associado à evasão fiscal, lavagem de dinheiro ou financiamento de atos terroristas.

Para cumprir as regulamentações mais rígidas dos Estados Unidos, a partir de 2019 todos os jogadores devem fornecer informações pessoais. A regra vale para os usuários que vivem em todos os países. O Second Life está ativo desde 2003, tem a sua própria moeda virtual (Linden Dollars) e milhares de jogadores.

Muitos estudos já haviam sido feitos, demonstrando a vulnerabilidade do jogo nos crimes de LD-FT, fraude, apostas ilegais, jogos de azar e até a prática de extorsão. A empresa tentou evitar que o Linden fosse classificado como moeda virtual, classificando-a como uma permissão para negociar bens virtuais no mercado do jogo. Mas a agência americana FinCEN (Rede de Execução de Crimes Financeiros) discordou e confirmou o Linden como uma moeda virtual.

O processo de identificação pode reduzir, porém não extingue que a prática do crime continue a ser realizada com a utilização de laranjas. As trocas entre terceiros fornecem um meio para os jogadores comprarem e venderem mercadorias e moedas entre e através de sites independentes, não diretamente ligados aos jogos. Neste caso, é possível adicionar outra camada a um esquema virtual de lavagem de dinheiro.

Por exemplo, um usuário pode adquirir a moeda virtual de um site de troca de terceiros, transfere esse dinheiro para sua conta virtual no jogo e nele realiza diversas movimentações. Neste caso, não são utilizados os sites oficiais para as negociações entre os jogadores. Após algum tempo é realizado a venda da moeda virtual, acumulada nesta atividade do jogo, de volta ao site de troca de terceiros pelo dinheiro real.

Outras práticas de LD em jogos

Os criminosos também podem recorrer a cartões de crédito roubados para fazer o branqueamento de dinheiro ilícito em jogos. O esquema conhecido por Carding é comum até mesmo nos jogos online mais famosos do mundo, como Clash Royale e Fortnite. Os fraudadores conseguem os dados do cartão provavelmente via golpe de phishing. Em seguida, desenvolvem sistemas complexos atrelando os números a novas contas no jogo.

Esquema de como funciona a fraude:

Para cometer o crime, compram objetos do jogo ou skins. Depois, vendem as contas, que estão valorizadas em função destes itens, por um valor mais baixo em sites de terceiros. Dessa maneira, os criminosos conseguem ganhar dinheiro sem ter a sua identidade relacionada com os cartões roubados.

As transações podem ser feitas usando plataformas com o eBay. O pagamento ocorre por meio de plataformas de pagamento com o PayPal ou transferência bancária. Há também quem faça a compra por meio da Dark Web. Neste caso, o pagamento é realizado por meio de criptomoedas, o que torna ainda mais difícil o seu rastreamento. A partir daí, o vendedor libera o usuário e a senha ao novo jogador.

Em muitos jogos, a validação das transações pelos jogadores é mínima por causa da baixa quantia de dinheiro transacionada. Uma verificação mais rígida no uso do cartão de crédito promete tornar o crime mais difícil. Outro fator que facilita o crime de lavagem de dinheiro é a popularidade dos jogos e a diversidade dos jogadores em termos de idade, sexo, status social ou país de origem.

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Autor: Manuel Bermejo Fletes
Formado em Adminstração de Empresas, com MBA em Gestão Estratégica de Negócios e Especialização em Compliance como ferramenta de Gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Profissional com mais de oito anos de experiência na área financeira, coordenando equipes e projetos em instituições nacionais e internacionais. Hoje é Coordenador da área de Monitoramento de Operações de PLD/FT.