08/02/2024

Carreira na advocacia: a atuação em PLD-FTP

08/02/2024

Chega um momento em que todo universitário se pergunta: “e agora, o que eu vou fazer da minha vida?” Geralmente esse questionamento tem uma data certa para acontecer. Caso você curse Direito – assim como eu cursei – isso irá acontecer por volta do oitavo período ou final do quarto ano. 

Eu me lembro muito bem quando eu estava passando por essa situação, indo para o quinto ano do curso de direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e já havia passado na prova da OAB. Só faltava o TCC e terminar o último ano de estudos.  

A trajetória universitária em Direito

Minha trajetória na universidade fugiu um pouco do comum em relação aos meus colegas. Praticamente todos os demais queriam ser juízes, promotores e delegados. No meu caso, desde o primeiro ano, eu já sabia que um dia seria advogado e teria meu próprio escritório. Também sabia que iria trabalhar na área corporativa/empresarial. Quando lançaram o edital para o processo seletivo da LEX – Empresa Júnior de Direito da UEL, eu não pensei duas vezes em participar. Foi aí que tive meu primeiro contato com o atendimento de clientes, elaboração de estatutos, regimentos, contratos etc.  

Logo depois, no meu segundo ano, comecei a trabalhar no escritório do meu professor de processo civil, oportunidade em que aprendi a lidar com as rotinas da advocacia e toda a correria que envolvia o estágio “raiz”, incluindo desde cargas e cópias de processos gigantescos e até despachos com juízes e promotores. 

Acontece que, neste mesmo período, as aulas de direito penal começaram. E o direito penal é algo apaixonante. Foi neste momento, em meados de 2012, que agradeci ao meu professor pela oportunidade de estagiar com ele e rumei para estagiar na Vara de Execuções Penais de Londrina-PR (VEP). Fiquei por lá uma semana somente, pois fui chamado para trabalhar no gabinete do juízo do Tribunal do Júri de Londrina. 

Neste período, confesso que fiquei tentado a seguir uma carreira pública como juiz ou promotor de justiça. Sempre que tinha um caso com muitas “polêmicas doutrinárias”, eu acompanhava atentamente os júris do começo ao fim. E isso, no final, acabou por me mostrar que eu amava direito penal, mas não iria gostar, de fato, de ser juiz ou promotor. Eu queria mesmo era ser advogado. 

O problema era que eu ainda me sentia entre a cruz e a espada: gostava muito de direito penal, mas ainda continuava gostando muito de direito empresarial. E entre o segundo e terceiro ano de faculdade eu não fazia ideia de como poderia conciliar essas duas matérias, pois de um lado tinha toda a rotina corporativa, arranjos empresariais, organização societária etc. e do outro lado tinha “sangue,” relatórios de locais de morte e a adrenalina da marcha processual penal. 

A escolha da carreira em PLD-FTP

Em 2013, durante uma conversa com um grande amigo, compartilhei o dilema que estava enfrentando, pois não fazia ideia de como eu iria conciliar as duas matérias que eu mais gostava. Foi então que esse meu amigo me deu um conselho que me fez expandir meu horizonte: “começa a estudar esses crimes do caso Mensalão, corrupção, fraude licitatória, etc.” 

Depois dessa conversa, eu voltei para a sala de aula com um novo objetivo: conciliar o direito empresarial com o direito penal. Escolhi o tema do meu TCC: Lavagem de Dinheiro por meio de Paraísos Fiscais e comecei a, praticamente, estudar o crime de lavagem dia e noite.

O ano era 2014 e o tema lavagem de dinheiro começou a bombar com o início da Operação Lava-Jato. Eu já estava um pouco à frente dos meus colegas no tema, pois estudar o crime de lavagem já havia virado um hábito. Tudo indicava que o meu caminho seria exclusivamente no direito penal econômico. Porém, quanto mais eu estudava o crime de lavagem, mais eu notava que precisava buscar suporte no direito empresarial. Eu precisava entender como as estruturas societárias eram utilizadas no processo de lavagem.

Curso de PLD-FTP e início de carreira

Foi então que eu comecei a fazer conexões: decidi que iria fazer um curso de American Law e Inglês Jurídico na University of Delaware (UD, para os íntimos). O estado era o reino das empresas offshore que os autores mencionavam nos livros sobre paraísos fiscais.  

E essa foi a melhor decisão que tomei para minha carreira, pois foi lá que eu descobri o que era compliance e o que era prevenção à lavagem de dinheiro. Também descobri – graças a Deus! – o que iria fazer da vida. 

Após temporada em Delaware, a UEL entrou em greve. A minha jogada foi pensar em como eu poderia transformar esse período de greve em algo positivo. 

Foi então que resolvi procurar cursos para dar uma boa incrementada no currículo.  Encontrei um curso de compliance em São Paulo. 

O resultado desse curso foi o seguinte: antes de a greve acabar e eu me formar, eu já estava com mais de cinco propostas de emprego em diversos lugares. Três em São Paulo-SP (oferecidas por professores do curso), uma em Curitiba-PR (indicado por um colega de curso) e outra em Cuiabá.

De todas as propostas, a que era mais desafiadora era a proposta de Curitiba. Eu iria ser o responsável por criar a área de compliance corporativo e direito penal econômico em um escritório. 

Precisei trabalhar muito para conseguir os primeiros clientes. A vida de advogado é punk, mas é gostosa. Adrenalina pura. Pelo menos essa é a minha percepção, ainda hoje.

Naquele começo de carreira eu não consegui um único cliente na área de compliance. Nada. Tudo o que aparecia eram casos criminais no escritório. Tudo colarinho branco. Corrupção, fraudes tributárias, crimes eleitorais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, enfim, o comum do direito penal econômico. Eu confesso que não me sentia confortável atuando nesses casos, mas eu sempre tive em mente um único pensamento: eu preciso dessa atuação criminal para que eu possa, no futuro, atuar com prevenção. Eu precisava criar “casca.” E assim eu continuei. Consegui entender como os esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro funcionavam. Consegui entender como o crime se organizava.

Foi essa experiência que, tempos depois, me permitiria construir os programas de integridade e programas de PLD-FTP que fossem efetivos para os meus clientes.

Ainda no ano de 2016, eu e o meu amigo (que conheci no curso de compliance), decidimos montar nosso próprio escritório. Fizemos isso. A atuação litigiosa pagava as contas, mas eu ainda tinha um objetivo: trabalhar exclusivamente com compliance e PLD-FTP.

Foi então que, em novembro de 2017, eu conheci o IPLD (Instituto de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo), e me ofereci para auxiliar o Instituto no que fosse necessário.

Como o Instituto estava bem no seu começo, eu passei a auxiliar a diretoria em toda a parte burocrática, trâmites cartorários, atas de eleição e tudo mais.  Comecei a construir uma nova rede de amigos e parceiros por meio do IPLD e isso abriu muitas portas na minha vida profissional.

Desafios da carreira em PLD-FTP e Dicas Importantes

Em meados de 2018, um cliente ligou para uma empresa que eu havia feito parceira dizendo que precisava de auxílio para se adequar aos apontamentos que o órgão regulador havia feito sobre sua área de PLD-FTP. Tratava-se de uma Instituição Financeira (IF) estrangeira bem grande e com uma base de operações consideráveis aqui no Brasil. O regulador havia feito uma série de apontamentos, elencando itens que demandariam ajustes, melhorias nas políticas e normas internas e na própria governança de PLD-FTP.

Parti com essa empresa parceira para o devido atendimento ao cliente e percebemos que a missão era ligeiramente mais desafiadora do que estávamos esperando, mas não era impossível. Dentre os apontamentos, contavam, por exemplo, itens dos mais diversos: a necessidade de automatização dos procedimentos de PLD-FTP, especialmente dos “programas conheça” (KYC, KYE, KYS e KYP); revisão das normas internas e sua adequação à realidade brasileira; revisão dos procedimentos de comunicação de operações suspeitas ao COAF; etc.

No final, conseguimos elaborar um relatório explicando ao regulador todas as mudanças feitas para atender os apontamentos, consolidamos todas as normativas e procedimentos internos alterados e atualizamos o parque tecnológico para permitir a otimização da área de PLD-FTP.

O que mais me impressionou, entretanto, foram os detalhes dos apontamentos feitos pelo regulador, que chegaram a demandar reajustes na própria organização do organograma da IF e sua consequente aprovação pelo Conselho de Administração da Matriz (estrangeira). Alguns exemplos: necessidade de otimização do tempo de resposta de “incidentes”; acúmulo de tarefas da equipe e do Diretor responsável pela área de PLD-FTP; áreas com interesses conflitantes sob gestão do Diretor responsável, etc. 

Pode até parecer meio óbvio, mas uma amiga me ensinou que às vezes, o óbvio também precisa ser dito. Então, deixo aqui minha dica nº 1 para quando você estiver fechando o seu primeiro cliente na área de PLD-FTP: mais importante que as normas internas e tecnologias de ponta empregadas na rotina de PLD-FTP, são as pessoas que farão essas normas e tecnologias funcionarem em um só som, de forma harmônica.

Enfim, quando estiver fechando o seu primeiro cliente de PLD-FTP, lembre-se de ser técnico ao organizar as políticas internas, criterioso ao indicar boas tecnologias e, principalmente, empático ao estender a mão para o cliente e demonstrar que você dará o apoio necessário para que ele possa cumprir com as exigências do órgão regulador.

E só um detalhe que eu não poderia deixar passar, e que demonstra o quanto uma boa rede de contatos pode render boas oportunidades: essa parceria que me oportunizou fechar esse contrato foi fruto de uma amizade que surgiu aqui no IPLD.

Autores

Edgard Rocha

Head Especialista em PLD-FTP e Integridade Corporativa

Advogado graduado pela Universidade Estadual de Londrina, com intercâmbio acadêmico pela University of Delaware (EUA). Mestrando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Possui experiência na implementação de Programas de PLD-FT e Compliance em grandes empresas nacionais e estrangeiras.