Em um mundo cada vez mais interconectado, as dinâmicas geopolíticas desempenham um papel fundamental na definição das tendências de mercado global. Em entrevista exclusiva ao IPLD, Guilherme Casarões, cientista político e professor da FGV EAESP, explora a complexa dinâmica do Oriente Médio e analisa como os recentes conflitos na região afetam o setor privado, destacando tanto os desafios quanto as oportunidades emergentes para as empresas brasileiras. Leia a entrevista exclusiva a seguir sobre Geopolítica e comércio. IPLD: Em que medida as empresas brasileiras que operam ou pretendem operar no Oriente Médio devem estar cientes e preparadas para lidar com questões de compliance e ética empresarial, especialmente em relação às recomendações internacionais e sanções aplicáveis em zonas de conflito? Guilherme Casarões: A maioria das empresas brasileiras que têm negócios no Oriente Médio conseguiu se adaptar a um cenário de turbulência política regional concentrando seus esforços em países mais estáveis, geralmente autoritários, como Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes. Com relação a esses países, sobretudo as monarquias sunitas do Golfo árabe, é fundamental que se conheçam determinadas práticas locais de negócios e se compreenda o papel da religião islâmica nos acordos comerciais e de financiamento. Um bom ponto de partida é estabelecer relações com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e outras organizações de promoção de comércio com países específicos da região. O risco de empresas brasileiras serem afetadas por sanções é baixo, pois o risco é concentrado no Irã (e, em menor grau, no Iêmen, com quem temos poucas relações comerciais). Nos demais casos, há relativa estabilidade política e segurança jurídica. IPLD: Recentemente, você publicou um artigo que trata da urgência de uma solução global para o conflito no Oriente Médio, destacando o papel estratégico do Brasil neste contexto. Considerando as relações diplomáticas do Brasil com Israel e a Palestina, bem como sua posição atual na presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de que maneira a abordagem brasileira em relação ao conflito Israel-Palestina, notadamente seu apoio à solução de dois estados e os esforços para soluções humanitárias, pode influenciar as relações comerciais do Brasil com as nações do Oriente Médio? Guilherme Casarões: A posição histórica do Brasil com relação ao Oriente Médio em geral, e a Israel e Palestina em particular, sempre foi a de manter relações cordiais com os países da região e de buscar soluções diplomáticas para os conflitos regionais. Esse bom trânsito brasileiro foi um elemento que facilitou o comércio com a região: desde a década de 1970, importamos petróleo e derivados de países como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Iraque, além de exportarmos um amplo leque de produtos para todo subcontinente, que vão desde materiais bélicos a serviços de construção civil, passando por commodities como carne e frango halal (principalmente para os mercados muçulmanos), milho, soja e derivados. Esse cenário não mudou radicalmente nos últimos anos, diante da eclosão de guerras civis, de transformações geopolíticas e da recente guerra de Israel na Faixa de Gaza. Ao manter o equilíbrio e a cordialidade diplomáticos junto às nações árabes e muçulmanas – além, é claro, de Israel –, o Brasil foi capaz de assegurar seus interesses comerciais num mundo cada vez mais competitivo. IPLD: Considerando as tensões e alianças no Oriente Médio, particularmente entre Israel e a Arábia Saudita, e a influência crescente da China na região, como essas dinâmicas geopolíticas podem afetar as estratégias de exportação das empresas brasileiras, especialmente aquelas que dependem de mercados naquela região? Guilherme Casarões: Paradoxalmente, as crescentes tensões geopolíticas entre Arábia Saudita e Irã, por um lado, e entre Israel e Palestina, por outro, são benéficas a um setor específico da economia brasileira, o da defesa. O Brasil exporta produtos militares para muitos governos da região, que vão de carros blindados a gás lacrimogêneo, além de comprar componentes eletrônicos e equipamentos de segurança de empresas israelenses. Pensando o cenário mais amplo do comércio brasileiro, muito centrado na exportação agropecuária, as empresas nacionais seguem sendo muito estratégicas aos mercados do Oriente Médio. O Brasil vem se afirmando como protagonista no tema da segurança alimentar – um dos temas mais relevantes da política internacional contemporânea e particularmente crítico aos países da região, carentes de recursos agrícolas, mas abundantes em energia. Atualmente, a despeito da guerra em Gaza, a única grande variável que pode impactar as exportações brasileiras é o Irã: graças às sanções econômicas ao país iniciadas no início dos anos 2010 e retomadas durante o governo Trump, a venda de milho e soja do Brasil para o país tem sido intermitente, atingindo um patamar relativamente alto, de 4,3 bilhões de dólares em 2022. Um retorno de Trump à Casa Branca, a partir de 2025, pode reverter novamente esse cenário. IPLD: Como o conflito no Oriente Médio pode afetar as cadeias de suprimentos globais e os preços de commodities, especialmente petróleo e gás, que são cruciais para a economia brasileira? Como as empresas brasileiras podem se preparar para essas flutuações? Guilherme Casarões: Um risco permanente do Oriente Médio é que os conflitos na região causem aumentos repentinos ou oscilações no preço de commodities energéticas. No entanto, o fato de o petróleo ser cartelizado (por meio da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, ou OPEP) garante alguma estabilidade de preços mesmo diante de ocorrências geopolíticas mais graves, como foi o caso da guerra civil síria ou da recente guerra na Ucrânia. A não ser que o conflito em Gaza se torne uma guerra regional, envolvendo diretamente atores como Irã e Arábia Saudita, as flutuações no preço da energia tendem a ser baixas, sem impactos significativos para as empresas brasileiras. O Brasil ainda tem uma camada adicional de proteção, que é a regulação de preços de petróleo via Petrobras, que impede ou minimiza uma ruptura drástica com os preços praticados internamente. IPLD: Olhando para o futuro, quais tendências ou mudanças você prevê no Oriente Médio que poderiam influenciar significativamente o cenário internacional do setor privado no Brasil? Como as empresas podem se preparar para essas mudanças, especialmente em contextos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (PLD-FTP)? Guilherme Casarões: À primeira vista, são duas as possíveis mudanças disruptivas para as quais o setor privado deve se atentar. A primeira, como já antecipada, é a regionalização do conflito israelo-palestino. Caso a continuidade das agressões leve à entrada de novos atores na guerra, especialmente os governos iraniano e saudita, os efeitos sobre o comércio regional são imprevisíveis. Outro fator, dentro desse mesmo contexto, é a atuação de grupos terroristas fora da região. Caso atores não-estatais como Hezbollah, que atua no sul do Líbano, e Hamas, na Faixa de Gaza, realizem ações terroristas fora do Oriente Médio, pode haver pressão internacional para que o Brasil e outros países incorporem em suas legislações medidas para criminalizar as atividades desses grupos. No caso brasileiro, em particular, o risco está nas atividades comerciais na região da tríplice fronteira (Foz do Iguaçu-Ciudad del Este-Puerto Iguazú), onde se acredita haver atividades financeiras ligadas sobretudo ao Hezbollah. Mas, novamente, o risco me parece baixo. A segunda mudança, essa mais impactante em nível global, será o retorno de Trump ao governo norte-americano. Uma guinada na postura dos Estados Unidos no Oriente Médio, no sentido de aprofundar o isolamento do Irã, pode ser problemática para o comércio brasileiro com este país. Da Redação Conheça nosso entrevistado Guilherme Casarões Cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Atualmente, é professor visitante na Brown University e já foi pesquisador visitante nas universidades de Michigan, Brandeis e Tel Aviv.