Agrupadas na sigla PLD-FTP, elas têm suas especificidades: veja algumas Imagem: Adobe Shutterstock Pelo hábito, pela pressa e até pelo desconhecimento, às vezes se menciona num só fôlego a sequência de siglas: PLD-FTP. Isso pode sugerir que a prevenção à lavagem de dinheiro e o combate ao financiamento do terrorismo sejam iguais, ou muito parecidos, mas um olhar abrangente logo revela diferenças. Muitas, aliás, decisivas. Especialista na pesquisa em Terrorismo, Radicalização e Crime Organizado, Maria Luiza Siqueira Batista, Gerente de Departamento de Estratégia de Divulgação Pública do IPLD, logo aponta uma distinção fundamental. “Enquanto a prevenção contra a lavagem de dinheiro tende a investigar as origens de recursos financeiros sob suspeita, o combate ao financiamento do terrorismo se preocupa mais com o destino deles”. Luiza aponta, no entanto, que uma exceção mais recente tem sido o financiamento a atividades criminosas, muitas vezes terroristas mesmo, de extrema direita, com empresários e agentes econômicos que não demonstram muita preocupação de ocultar o destino desses recursos. Seja como for, a diferença de foco – seja na origem, seja no destino – se explica pelo próprio ciclo dessas atividades criminosas. De um lado, a lavagem de dinheiro busca inserir no mercado recursos que derivam de ilicitudes. Quer-se mascarar essa ilegalidade, eliminar seus rastros. “Então ela costuma ser feita em grandes volumes”, acrescenta Luiza, chamando a atenção para o fato de a lavagem de dinheiro ser uma operação custosa e complexa, o que a torna desvantajosa para pequenas somas. De outro lado, o financiamento do terrorismo pode se originar de meios e fontes lícitas. Neste caso, é o destino, a finalidade, que entra em conflito com a lei. Acrescenta-se a isso outra dificuldade: “as transações podem ser tão baixas quanto muitas compras de passagens aéreas, ou materiais baratos que se pode encontrar em qualquer comércio urbano”, explica Luiza. Veja-se o exemplo do atentado ao World Trade Center, em Nova Iorque, em 2001, um marco histórico tão importante no combate ao financiamento do terrorismo que levou o GAFI a expandir seu mandato para incluí-lo em suas recomendações. Luiza ressalta que o baixo custo do ataque, ainda mais comparado à repercussão que teve, chamou a atenção dos especialistas na época. Além disso, não só os atentados podem custar pouco, como também “as organizações terroristas, por vezes, mantêm outras atividades, inclusive lícitas, o que dificulta o combate”, conta Luiza. “as organizações terroristas, por vezes, mantêm outras atividades, inclusive lícitas, o que dificulta o combate” Autor do livro Terrorismo e seu Financiamento, Lucas Teider, Gerente de Negócios do IPLD, destaca duas outras diferenças entre LD e FT: seus fundamentos e seus canais. Em relação ao primeiro, o crime de lavagem de dinheiro não se destaca por sua ideologia – ele tem um fim em si mesmo, buscando exatamente a acumulação, a possibilidade de movimentar recursos, o lucro. Basta ver o caso da Lava Jato, um marco histórico importante no Brasil no combate a esse crime, a qual apontou práticas ilícitas em partidos de diferentes orientações políticas. “Já o terrorismo tem sua motivação na ideologia radical”, diz Teider. “Por isso se diz que a lavagem seria um crime mais financeiro, enquanto o terrorismo seria mais social.” “Por isso se diz que a lavagem seria um crime mais financeiro, enquanto o terrorismo seria mais social.” Quanto aos canais, a diferença é clara. A lavagem de dinheiro tende a privilegiar meios formais como bancos ou empresas de pagamento, justamente para conceder ao dinheiro “sujo” este “carimbo de legitimidade do sistema financeiro tradicional, aponta Teider. O terrorismo, por outro lado, busca canais informais para se financiar, evitando ao máximo o rastreamento. Isso pode assumir a forma de pagamentos por meio de intermediários em países estrangeiros, ou então alguns crimes mais associados a organizações terroristas, como sitiamentos, extorsões e tomada à força de bens e serviços. Também pode acontecer de essas organizações se aproveitarem de redes já existentes, como a hawala, cuja distribuição capilarizada de recursos é fundamental para comunidades diaspóricas. “Mas não se deve estigmatizar a hawala ou similares, não há uma associação automática entre elas e o terrorismo”, ressalta Luiza. “É difícil. Algumas iniciativas tentaram tornar mais rastreáveis as transações integrando essas comunidades no sistema financeiro, com inclusão bancária, mas as taxas podem ser proibitivas.” Teider concorda que as análises inseridas no combate ao financiamento do terrorismo exigem sensibilidade e cuidado. “Outro fator que costuma ser mencionado é um ‘risco geográfico’ para essas atividades”, diz ele, “mas isso pode virar xenofobia, estigmatização.” Ele prefere falar em riscos geopolíticos, que demandam o conhecimento dos mercados e setores nos quais se vai atuar. Ainda a respeito das diferenças entre PLD e FT, Teider dá uma dica valiosa: enquanto na lavagem de dinheiro a suspeita costuma recair sobre as transações feitas, no terrorismo ela tende a se concentrar nas relações do beneficiário. Como se vê, o hábito, a pressa ou o desconhecimento podem levar ao equívoco de se apagar as diferenças entre PLD e PFT, que são muitas. Fenômenos diferentes implicam em tipologias, riscos e controles diferentes. Mas também não se deve cair no erro oposto, segregando-as completamente, como se não tivessem nada a ver uma com a outra. O conhecimento das suas especificidades permite um olhar mais integrado, mais cioso. A necessidade dele, sim, talvez seja um ponto em comum entre atividades tão distintas, mas igualmente cruciais para um sistema financeiro melhor, mais ético, mais transparente e mais justo. Referências Entrevistas de Maria Luiza Siqueira Batista e Lucas Teider à redação.https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/o-sistema-de-prevencao-a-lavagem-de-dinheiro/o-que-e-o-crime-de-lavagem-de-dinheiro-ld “A mão invisível do mercado do crime”, Bruno Paes Manso, https://jornal.usp.br/articulistas/bruno-paes-manso/a-mao-invisivel-do-mercado-do-crime/ Autor: Da Redação