22/08/2019

“Financial Secrecy Index” e “Basel Anti-money Laundering Index”: duas importantes publicações que todos os profissionais de compliance precisam conhecer

22/08/2019

 

Por: Edgar Rocha

 

No Brasil, a Receita Federal – nos termos da Instrução Normativa RFB n. 1.037/2010 – considera que os paraísos fiscais são os “países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade”. Após a descrição, o artigo 1º, da mencionada norma, elenca, atualmente, 65 jurisdições que podem ser consideradas como “paraísos fiscais”. Adiante, no artigo 2º, a normativa elenca os “regimes fiscais privilegiados”, que são, em sua maioria, “espécies” de empresas e sociedades existentes em determinados territórios, como, por exemplo, as Limited Liability Companies que podem ser abertas nos Estados Unidos ou as Sociedades Financeiras de Inversão (Safis) do Uruguai.

A importância desta normativa da Receita Federal incide, justamente, na diligência e atenção que as pessoas físicas e jurídicas devem ter ao realizar negócios e operações financeiras com as jurisdições listadas, principalmente para se evitar problemas tributários. Não obstante as questões tributárias, é importante que os profissionais de Compliance observem operações suspeitas atinentes aos crimes de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, principalmente para fins de operacionalização de políticas de prevenção a estes crimes (PLD-FT).

Existem duas importantes publicações internacionais e independentes que podem ser úteis para aumentar o conhecimento sobre Paraísos Fiscais e sobre territórios propensos à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo. São elas: Financial Secrecy Index e Basel Anti-Money Laundering Index.

O Financial Secrecy Index (FSI) versa sobre os “Paraísos Fiscais” e se trata de um relatório global produzido pela Tax Justice Network (TJN), com o objetivo de listar os países e demais jurisdições em um ranking que avalia a “opacidade” de seus sistemas financeiros como um todo. A metodologia do estudo abarca uma profunda análise, por exemplo, sobre o sigilo bancário, registro de trusts e fundações, sigilo da propriedade de empresas, legislações antilavagem, troca de informações entre autoridades, dentre outros. A conjugação destes elementos acaba por demonstrar quais são os territórios que mais chegam próximos do termo “Paraíso Fiscal”.

Na última edição do FSI, em 2018, o ranking de “opacidade” ficou assim delineado:

É interessante que se note que, mesmo não se negando a importância da Instrução Normativa RFB n. 1.037/2010, os profissionais de Compliance precisam buscar outras fontes para a construção de uma boa política de PLD-FT e o FSI mostra, justamente, que algumas jurisdições, como a Alemanha e Luxemburgo, apesar de não serem listadas pela Receita Federal, demandam atenção em operações financeiras, pois seu sistema financeiro é sensivelmente opaco e sigiloso em demasia.

Outro fato interessante que o Ranking FSI demonstra é que os Estados Unidos, apesar de ter uma política extremamente repreensiva em relação à lavagem de dinheiro, aparece em terceiro lugar na lista de 2015. Isso se deve, principalmente, ao Estado de Delaware, que já ocupou a primeira colocação em rankings anteriores, chegando a mais de 1500 pontos, enquanto a Suíça (3º Lugar na época) chegava somente a 500 pontos. Ocorre que, a partir de 2015, o ranking passou a considerar somente os países como um todo e, se a mudança não tivesse ocorrido, provavelmente o Estado de Delaware ainda ocuparia a primeira posição.

Já o Basel Anti-Money Laundering Index (Basel AML) é uma publicação que avalia quais são os países/jurisdições mais propensos (riscos) à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo. O relatório é publicado pela International Centre for Asset Recovery e sua metodologia envolve a análise de dados como transparência, percepção da corrupção, falhas nas estruturas antilavagem e contra-terrorismo, normas financeiras e transparência insuficiente e segurança jurídica.

Uma característica interessante para a credibilidade da Basel AML está no fato de utilizar-se de outros resultados de publicações de entidades especializadas para avaliar categorias específicas, o que então permitirá a construção de seu próprio diagnóstico de riscos. Dentre estas entidades utilizadas como fonte estão, por exemplo, a própria Tax Justice Network, o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), a Open Budget Index, FH – Press Freedom & Freedom in the World, entre outras, o que acaba por elevar a robustez da publicação, que somente tende a somar quando se pensa em políticas de prevenção à atos ilícitos.

Por meio de um score de 0-10 pontos – sendo 10 o risco máximo – o ranking Basel AML demonstra que nem sempre os “paraísos fiscais” são os territórios com o maior “risco” em relação à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Se sobrepostos cada um dos rankings, será possível notar que os paraísos fiscais com jurisdições mais opacas e sigilosas tendem a ser países desenvolvidos, enquanto o Basel AML demonstra o oposto. Basta que se observe os 10 primeiros colocados no Basel AML/2018 para que se comprove a assertiva:

 

Em suma, tantos os países listados pelo Financial Secrecy Index quanto os países listados pela Basel Anti-Money Laundering Index são jurisdições extremamente sensíveis para uma política efetiva de Compliance e de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo, de sorte que eventuais operações financeiras detectadas com estas jurisdições demandarão atenção da área de Compliance e PLD-FT, pois de um lado estão as jurisdições mais opacas e sigilosas do mundo e, do outro, os países com o maior risco de ocorrência de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.Assim, observa-se, diante deste relatório, que os países com maior propensão à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo são países mais pobres e com consideráveis instabilidades políticas e jurídicas. Pode parecer estranho, à primeira vista, mas a sistemática da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo depende de uma boa interação entre os ditos “paraísos fiscais” e estes territórios listados pelo Basel AML, em um vicioso “vai-e-vem” de dinheiro ilícito.

 

Autor

Edgar Rocha

Advogado graduado pela Universidade Estadual de Londrina e intercâmbio pela University of Delaware (EUA). É Sócio-Fundador de um escritório de advocacia especializado em litígios envolvendo Crimes Financeiros e consultoria em Compliance e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo; Consultor Jurídico e Especialista do maior bureau reputacional da América Latina; membro da Comissão de Compliance da OAB/PR.

 

Leia mais sobre este assunto:

 

Instrução Normativa RFB Nº 1037

Financial Secrecy Index

Basel Institute on Governance