Trabalhar em uma empresa e perceber indícios de lavagem de dinheiro ou, ainda, desconfiar que uma empresa parceira pratica atividades suspeitas. Essas situações não são raras e podem deixar muitos funcionários sem saber como agir. Fechar os olhos e fingir que não viu determinadas condutas, ignorar suspeitas e omitir-se mesmo diante de evidências. O que significa a omissão onde deveria haver prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo? Por Dentro da Lei A advogada criminalista Beatriz Dias Rizzo diz que, segundo a lei penal (art. 13,§2°, do Código Penal), responde por omissão todo aquele que tinha dever e poder para evitar o resultado ilícito. Ela explica que a lei penal atribui expressamente esse dever a quem por lei, de qualquer espécie, tenha dever de cuidado, proteção ou vigilância, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado e/ou com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado ilícito. Responsabilização “No âmbito empresarial, podemos afirmar que as pessoas que exercem funções de compliance estão diretamente no âmbito das que têm esse dever de cuidado. Entretanto, não apenas elas. Por exemplo, quem exerce atividades comerciais ou mesmo operacionais, especialmente no setor financeiro e demais setores sensíveis à prática de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, que são todos aqueles que devem prestar informações ao UIF ou outros órgãos de fiscalização, e todos que ocupam uma posição de garantidores em relação ao dever de evitar a prática desses crimes”. A advogada afirma que a responsabilização pode chegar inclusive ao analista que deixou de seguir alguma medida de prevenção: “A lei penal brasileira diz que todos os que concorrem, de qualquer forma, para o crime, respondem por ele, na medida da sua culpabilidade (art. 29 do Código Penal). A responsabilidade penal no Brasil é individual e independente. Todos, do nível hierárquico inferior ao nível hierárquico superior, podem responder criminalmente pelos seus atos e omissões, ou mesmo pela conivência, em relação a atos de terceiros” . Beatriz diz que vista grossa em direito penal ficou conhecido como cegueira deliberada: “Dependendo da função, das atribuições e dos poderes da pessoa na empresa, ela não pode se omitir em relação a atos ilícitos praticados no âmbito da empresa e dos quais tenha conhecimento, sob pena de ser responsabilizada administrativa, civil e penalmente”. Segundo ela, outros funcionários de uma empresa, em áreas que não se ligam ao financeiro ou compliance, também podem ser responsabilizados por ter feito visto grossa: “Por exemplo, alguém da área comercial que fecha negócio com um cliente mesmo tendo indícios de que a origem dos recursos é ilícita”. Canais de Denúncia Beatriz fala que o ideal é que a empresa tenha canais de denúncia efetivos e com garantia de anonimato: “Para que os funcionários possam efetivamente denunciar práticas ilícitas e, especialmente, condutas de quem tem poder hierárquico sobre elas. Por outro lado, a ausência deste tipo de canal em empresas dos setores sensíveis pode ser considerada uma forma de cegueira deliberada e levar à responsabilização penal inclusive dos funcionários e executivos da área de compliance, ou diretores com poder de administração”. Funcionário x Empresa Caso o funcionário suspeite que a empresa onde trabalha está envolvida com lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo, a advogada recomenda pedir demissão: “Se a suspeita recair sobre toda a forma de fazer negócios da empresa, ou seja, se esse for um envolvimento institucional, o melhor é procurar outro emprego, já que todos os que participarem desses negócios, das atividades da empresa e tiverem ciência, ou fortes suspeitas, de seu caráter ilícito podem ser inclusive considerados como membros de uma associação criminosa”. Já se o envolvimento for pontual, como um desvio de determinados funcionários ou executivos ou de alguma área de negócio, Beatriz explica que o comportamento adequado é denunciar via canais institucionais. A advogada criminalista diz que há inúmeras ações para que as empresas mostrem que, de fato, fazem prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo: “As medidas dependem do porte das empresas e vão do plano teórico, com a criação e implementação de normativos internos e políticas institucionais, ao concreto, com instituição de área de governança corporativa e compliance, com independência funcional e recursos suficientes; instituição de canais de denúncia; realização periódica de treinamentos para equipes e gestores; canais de monitoramento de atividades e operações de maior risco; instituição de processos de gestão de consequências e redução de danos”.