08/11/2023 Atualizado em : 27/11/2023

O Terrorismo e seu Financiamento e a Prevenção

08/11/2023 Atualizado em : 27/11/2023

O conflito entre Israel e o Grupo Hamas reacendeu um tema muito complexo: o Financiamento do Terrorismo (FT). E essa questão ganhou nova dimensão com a operação da Polícia Federal, que investiga a suspeita da ligação de brasileiros com o Hezbollah e o planejamento para realização de ataques terroristas no país. Para abordar esse assunto, o IPLD entrevistou o advogado e pesquisador, Lucas Teider, Gerente de Operações da AML Outsourcing e autor do livro: Terrorismo e seu financiamento: a política pública criminal brasileira de prevenção.  

Terrorismo e seu Financiamento
fonte: Shutterstock

“Engana-se quem pensa que o terrorismo e o seu financiamento não são problemas brasileiros. Pelo contrário…” em seu livro você narra a importância de pensar mais seriamente essa questão no Brasil. Por quê?

Em primeiro lugar, entendo que o Brasil pode ser um alvo preferencial do terrorismo justamente em razão da não contemplação do risco do terrorismo (e de seu financiamento). 

Além disso, há histórico tanto de indivíduos quanto de organizações terroristas que possuem instalações no Brasil e/ou que executam parte do ciclo das atividades terroristas em nosso território nacional. 

E, como historicamente não compreendemos tais possibilidades como um risco nacional concreto, deixamos de investir recursos (intelectuais e materiais) na prevenção (normativa e procedimental, teórica e prática), o que aumentaria o impacto de um dano na eventualidade de sua concretização, justamente em razão do despreparo. Não obstante, a falta de prevenção agrava a possibilidade de ocorrência, e a ausência de planos de ação cria o risco de a resposta ser inadequada e/ou mais grave que o próprio dano.

O próprio GAFI, em sua última Plenária, elogiou o sistema de PLD brasileiro, mas voltou a tecer críticas com relação à efetividade de nossa estrutura de prevenção e combate ao financiamento do terrorismo.

Inclusive, ontem (08/11/2023), a Polícia Federal prendeu duas pessoas, integrantes de um grupo ligado ao Hezbollah (organização fundamentalista sediada no Líbano), que estão sendo investigadas pelo planejamento de atentados terroristas contra alvos judaicos em território brasileiro. As prisões fazem parte da Operação Trapiche, que investiga o recrutamento de brasileiros para a prática de atos terroristas, e integra uma ação maior contra o terrorismo. Também foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão em três estados brasileiros e a Interpol foi acionada para realizar a prisão de dois brasileiros com dupla nacionalidade que estão no Líbano. Foi confirmado ainda o auxílio do Mossad, a agência de inteligência israelense, que ressaltou o financiamento do Irã, e a informação de que alguns suspeitos chegaram a viajar para Beirute, capital do Líbano, para se encontrar com integrantes do Hezbollah e, muito provavelmente, receber mentoria e apoio para os atentados no Brasil.

É de se elogiar a atuação preventiva da Polícia Federal e dos demais órgãos de inteligência brasileiros, e fica o alerta para os sujeitos obrigados. A guerra entre Israel e o Hamas é apenas o estopim para diversas células que pareciam “adormecidas” – mas, em verdade, continuavam arregimentando suas ações, na surdina – e que agora têm a oportunidade de atacar e ganhar a visibilidade que tanto almejam. E é certo que alguns meios (formais ou informais) foram utilizados para movimentar dinheiro, inclusive advindo do exterior e muito provavelmente de países sancionados, para o planejamento e tentativa de execução dos atos terroristas deflagrados pela Polícia Federal. Se uma instituição do sistema econômico e financeiro, ainda que sem conhecimento das intenções, foi utilizada para movimentar tais recursos, além da possibilidade de sancionamento com pesadas multas e responsabilização (inclusive criminal), estamos diante de um risco reputacional do mais elevado impacto.

Com o conflito entre Israel e o grupo Hamas, voltou aos noticiários o tema do financiamento de grupos terroristas. Como as instituições financeiras podem desempenhar um papel na prevenção do Financiamento do Terrorismo, fortalecendo os mecanismos de segurança do setor? 

O primeiro passo, sem dúvida alguma, é o aculturamento da instituição neste tema e a contemplação do risco de FT. Por “contemplação do risco de FT” quero dizer o seguinte: as instituições devem considerar o financiamento do terrorismo como um efetivo risco em suas operações

Atualmente, apesar de a sigla completa se referir à PLD-FTP, observamos que a preocupação (ainda) está muito concentrada na Prevenção à Lavagem de Dinheiro e, raramente, avança para a prevenção também ao Financiamento do Terrorismo e ao Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição em Massa. Em muitas oportunidades, as áreas e os profissionais denominam-se apenas a partir de PLD, o que indica que, se estamos “esquecendo” dos outros elementos da sigla nas nomenclaturas, também estamos “esquecendo” dos demais elementos em nossas análises, políticas e procedimentos específicos.

Com a contemplação do risco de FT, iniciamos a investigá-lo nos mapeamentos de riscos e, consequentemente, adotamos políticas, controles e procedimentos destinados a combater adequadamente o Financiamento do Terrorismo. Entendo que este é o primeiro passo.

Quais são os maiores desafios enfrentados pelas instituições financeiras na prevenção ao Financiamento do Terrorismo?

O primeiro desafio, como comentamos acima, é a contemplação e o aculturamento ao risco de FT.

Um segundo desafio, que acredito ser relevante, eis que é a sequência lógica do primeiro e condição fundamental para a efetividade da prevenção, é a necessidade de especialização na identificação, análise, avaliação e criação de controles específicos para o risco de FT. O Financiamento do Terrorismo tem funcionamento, cenários e tipologias particulares. Em razão disso, por mais robusta que seja a estrutura de PLD, em razão das especificidades, ela pode não estar preparada para também identificar e mitigar adequadamente os riscos de FT.  Alguns exemplos: enquanto a análise de PLD foca em suspeitas no comportamento transacional, a PFT tem seu foco em relacionamentos suspeitos. O risco geográfico (ou o risco de geolocalização) do cliente/matriz/filial ganha especial relevância na PFT, ao contrário da Lavagem de Dinheiro. O Financiamento do Terrorismo geralmente ocorre a partir da movimentação de valores baixos, mas com alta intensidade, onde podem ser utilizadas (inclusive) fontes e valores lícitos, e cuja motivação não é o lucro, mas a ideologia. Além da utilização suspeita de produtos e serviços tem-se a utilização de produtos e serviços suspeitos, etc. Por isso, a capacitação e o apoio especialista são fundamentais. Um cliente, um relacionamento e/ou uma transação que, para o olhar de PLD, pode parecer inofensivo, para um especialista capacitado pode constituir em um relevante risco de FT, que deve ser mitigado adequadamente.

 Qual a importância do ecossistema de PLD-FTP para o combate a esse financiamento tão nocivo à sociedade?

O ecossistema de PLD-FTP é fundamental para a prevenção e o combate ao FT. O apoio especialista é indispensável para o mapeamento de riscos específicos e a previsão de controles adequados. Ferramentas informatizadas e inteligentes são essenciais para a manutenção da assertividade e qualidade dos processos de onboarding e de monitoramento. E a capacitação será primordial na garantia da atualização e da eficácia da prevenção ao FT. Todos os pilares devem estar fortes para que a estrutura se mantenha robusta.

Após pesquisar profundamente o tema, qual é a sua análise sobre a política pública criminal brasileira de prevenção ao terrorismo e ao seu financiamento?

De modo geral, o Brasil possui uma série de instrumentos repressivos, alguns aspectos de interceptação e pouquíssimas ações de prevenção. Ou seja, nós possuímos instrumentos para punir terroristas e contamos com algumas possibilidades de identificar condutas que já estão em andamento com o intuito de mitigar seus danos, mas não temos muita proficiência na evitação de condutas de terrorismo e seu financiamento.

E, além do esforço das autoridades públicas, as quais contam com setores específicos e profissionais de altíssima qualidade (mas ainda sem o volume e os recursos adequados), o sistema financeiro nacional tem um papel importantíssimo na procedimentalização da prevenção ao Financiamento do Terrorismo.

Como você vê as tendências futuras nessa área?

O Financiamento do Terrorismo está evoluindo. Já é lugar-comum notícias relatando que indivíduos e organizações terroristas estão empregando tecnologias (inclusive financeiras) de ponta em suas atividades. A prevenção também precisa evoluir e, preferencialmente, mais do que as atividades criminosas, para que seja possível a evitação, além da mitigação. 

Particularmente, vejo dois caminhos possíveis. O primeiro é uma conscientização dos sujeitos obrigados com relação ao tema e a contemplação do risco específico de FT, com o estabelecimento de controles particulares e estratégias dedicadas para a prevenção, detecção e resposta adequada deste risco, de maneira a manter o ecossistema financeiro rígido e seguro desta ameaça. O segundo é mantermos o atual nível de preocupação, dedicado majoritariamente ou exclusivamente à PLD, e termos um atentado com participação de uma instituição financeira brasileira, com impactos (inclusive reputacionais) sistêmicos. Espero que continuemos empenhados não apenas em termos esperança no primeiro caminho, mas em sermos agentes da efetiva prevenção, com aculturamento e contemplação.


Redação do IPLD